(1) promover ou (2) restringir os ganhos de calor gerado no exterior;
(3) promover ou (4) restringir as perdas de calor acumulado no interior.
O invólucro constitui deste modo um filtro, o qual pode integrar disposições estáticas e dispositivos moveis. Exemplos de disposições estáticas são os isolamentos térmicos , os vedantes e os sombreadores fixos. Exemplos de dispositivos móveis são as janelas de abrir, as portadas isolantes móveis ou as persianas exteriores.
O cruzamento das quatro hipóteses de regulação acima sistematizadas, com os três modos de transferência de calor - condução, convecção e radiação - mais um quarto que ocorre na evaporação, produz dezasseis estratégias bioclimáticas.
Apenas dez das dezasseis estratégias admissiveis, podem efectivamente ser exploradas no projecto de arquitectura, havendo porém muitas formas de as concretizar.
O quadro inserido na Figura 2, apresenta as estratégias bioclimáticas sistematizadas, agrupando-as em estratégias para o tempo FRIO e estratégias para o tempo QUENTE (abrangendo estas também o tempo CONFORTAVEL).
Figura 2: Sistematização das estratégias bioclimáticas
Em climas predominantemente quentes ou frios, domina um destes dois grupos de estratégias. Mas o território português não tem um clima extremado: O que faz a sua diferença e o seu encanto é, porventura, o mosaico climático em que se reparte o pequeno rectângulo e as ilhas, bem como a mistura entre o quente e o frio, por vezes o contraste fugaz, reflectindo o jogo entre o Atlântico e o Mediterrâneo, a latitude e o relevo.
Em climas mistos, ambos os grupos de estratégias se aplicam, devendo ser compatibilizados e integrados em soluções de arquitectura. O menosprezo por um deles pode resultar em sacrifícios no conforto... ou em consumos de energia adicionais em aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC).
Finalmente...deve-se ter em conta que a experiência térmica do espaço em que vivemos não se esgota no conforto térmico e este na neutralidade térmica. Tal como o comer não se pode reduzir à ingestão de algumas pílulas nutritivas, o conforto auditivo ao silencio absoluto, o conforto visual a uma luz permanente e uniforme, sem se cair na indiferença, no cansaço ou no aborrecimento.
...Nem o conforto que sentimos é igual ao somatório de confortos parciais, porque os sentidos comunicam entre si: Come-se também com os olhos, as cores podem ser quentes ou frias, os ambientes insípidos:
O fino tilintar do mobile oriental, ou o perfume que nos chega suavemente do jardim, podem despertar-nos para a brisa que passa, como o murmúrio da água corrente em algum recanto sombrio, nos sugere e reforça uma agradável sensação de frescura, numa cálida tarde de verão.
Enfim, a experiência térmica pode adquirir não só uma sensualidade, mas também uma carga simbólica e um papel cultural que não cabem no funcionalismo estreito de uma concepção tecnicista.
Esta é razão suficiente para não tomarmos os métodos de concepção como ponto de chegada, mas como ponto de partida para um projecto apelando para uma rica experiência multisensorial inserida na vida quotidiana que a arquitectura enquadra.
2. Caracterização das Estratégias Bioclimáticas
Minimizar a Condução: Isolamento e Factor Forma -Índice-
A condução de calor pode ter lugar em toda a matéria (sólido, líquido ou gás) em que exista um gradiente de temperatura. A sua formulação fisico-matemática assenta na lei de Fourier.
Segundo a lei de Fourier, a densidade do fluxo de calor que atravessa uma parede homogénea, é proporcional ao gradiente de temperatura existente entre as suas superfícies. O calor flui da superfície que se encontra à temperatura mais alta para a que está à temperatura mais baixa, tendendo a diminuir a amplitude do gradiente. O factor de proporcionalidade é a condutibilidade térmica do material que constitui a parede.
Quanto ás estrategias que utilizam a condução, a estratégia para o Inverno difere da estratégia para o Verão, considerando que no Inverno as temperaturas andam sempre abaixo do limiar de conforto, ao passo que no Verão a temperatura média se situa dentro da zona de conforto.
No Inverno, designadamente quando a temperatura média exterior é muito baixa e a amplitude térmica é relativamente pequena, ela pode considerar-se como constante.
Presumindo que a temperatura interior também é sensivelmente constante, pode admitir-se que a transmissão de calor através do invólucro, se faz em regime permanente, distribuindo-se as temperaturas no interior de uma parede homogénea, como se mostra na Figura 3.
Figura 3: Distribuição das temperaturas numa parede (regime permanente)
Nestas condições, admite-se que as superfícies exterior e interior de uma parede se mantêm a temperaturas constantes, sendo a sua condutância térmica directamente proporcional à condutibilidade térmica do material que a constitui e inversamente proporcional à sua espessura. A densidade do fluxo de calor varia directamente com esta condutância e com a diferença de temperatura entre as duas faces da parede. O fluxo de calor que atravessa a parede, é directamente proporcional à sua área.
Seguindo a analogia eléctrica para o tratamento das paredes compostas, tem utilidade o conceito de resistência térmica que é o inverso da condutância. Seguindo esta analogia, as resistências parciais das camadas que constituem uma parede adicionam-se. Mas para obter a resistência total da parede, teremos que adicionar ainda as resistências superficiais das suas faces exterior e interior, para entrar com os coeficientes de condutância superficial (ou, simplesmente, coeficientes superficiais) que correspondem a trocas radiativas e convectivas que ocorrem entre essas superfícies e o meio ambiente, considerando que este tem uma temperatura radiante média igual à temperatura do ar. O inverso desta resistência total é o coeficiente de transmissão térmica U.
Assim, considerando o regime permanente no Inverno, as perdas por condução (Qc) variam com a diferença de temperatura entre o interior e o exterior (t´- t), com a resistência térmica (R) das paredes e envidraçados, coberturas e pavimentos em contacto com o exterior e, com a respectiva área (S). Teremos então para todo o invólucro:
Deste modo se pode distinguir três ordens de medidas, a adoptar de acordo com a importância do período FRIO:
- Redução da diferença de temperatura entre o interior e o exterior, escolhendo as encostas mais quentes e os locais abrigados dos ventos mais frios seja pela topografia seja por quebra-ventos.
- Reforço da resistência térmica do invólucro, usando materiais isolantes em pavimentos, paredes, coberturas, não descurando os vãos (portas e janelas) e cuidando das pontes térmicas (nomeadamente em vigas, pilares, caixas de estore) de acordo com o nível de isolamento térmico do invólucro.
O nível de isolamento térmico do invólucro, ou seja a sua resistência térmica, pode-se reforçar aumentando espessuras e utilizando materiais menos condutores. A regulamentação atinente em vigor (ver Bibliografia) é concisa nesta matéria, sobre a qual existe informação técnica acessível, designadamente na ITE 50 (LNEC, 2006) e, em Henriques (Humidade em Paredes, LNEC 1995). Para orientação, alguns materiais de construção mais correntes são agrupados por categorias de condutibilidade térmica, no quadro da Figura 4. Consultar também a Figura 24 .
Figura 4: Condutibilidade dos materiais por categorias
O ar é uma mistura gasosa que tem uma baixa condutibilidade térmica, a qual ronda os 0.025 W/(m.K) nas condições atmosféricas que correntemente experimentamos. Esta baixa condutibilidade térmica do ar, pode ser explorada se se restringir as trocas convectivas encerrando o ar : (1) em alveolos; (2) em caixas de ar relativamente herméticas.
Estão no primeiro caso, as paredes constrituidas por blocos furados ou perfurados, de argila ou de betão. Com o bloco furado de argila porosa de 29.0cm apresentado na Figura 5A, pode-se obter uma parede simples com um valor de U de 0.60 W/(m2.K).
Está no segundo caso a caixa de ar de paredes duplas. Uma parede dupla de tijolo furado 11+15cm, tem um valor de U de 1.2 W/(m2.K).
Este valor de U é drasticamente reduzido, se se preencher a caixa de ar com um isolante leve (cuja baixa condutibilidade se deve em grande parte, à componente gasosa encerrada em células que fazem parte da sua estrutura). Preenchendo a caixa de ar da parede dupla acima referida, com 4.0cm de isolante leve, o seu valor de U passa a 0.6W/(m2.K).
Preenchendo parcialmente a caixa de ar com isolante leve, como no exemplo da Figura 5B, obtem-se um valor de U ainda mais baixo.
Figura 5: Isolamento térmico em paredes: o bloco furado de argila porosa, a parede dupla
e o isolamento pelo exterior
A camada de material isolante pode ainda ser colocada pelo interior ou pelo exterior de paredes simples. Tal como se mostra na Figura 5C, o isolamento de paredes pelo exterior tem que ser protegido por redes e perfis incorporados na massa rígida de acabamento, devido à fraca resistência mecânica dos isolantes leves. A sua aplicação é pois, problemática em fachadas muito recortadas, com muitos vãos, mas pode ser vantajosa nos outros casos e, designadamente, em recuperações.
O isolamento pelo exterior pode ainda ser vantajoso se se pretender beneficiar da massa ou inércia térmica do invólucro, quer na estação FRIA quer na estação QUENTE (ver Captação Solar e Massa Térmica e Inércia Térmica). Não obstante, em padrões de uso intermitente que ocorrem na habitação urbana ou na casa de férias com escassos ou irregulares ganhos solares e internos, o rápido aquecimento recorrendo a equipamento auxiliar, é prejudicado pela inércia. Neste último caso, o isolamento pelo interior ou na caixa de ar, pode ser vantajoso.
Mas é na correcção das pontes térmicas que, provavelmente reside a maior vantagem do isolamento pelo exterior. Em construções heterogéneas, incluindo estrutura metálica ou de betão, caixas de estore, etc, quanto maior é o isolamento das paredes, mais importantes são as trocas de calor pelas partes não isoladas, cujas superfícies mais frias favorecem ainda, as condensações e a proliferação de fungos que as enegrecem. Estas pontes térmicas são mais faceis de resolver no isolamento pelo exterior, do que nos outros casos.
As condensações também podem ocorrer no interior das paredes, nomeadamente no interior de paredes multicamada com isolante e nos climas mais frios (ou mais quentes). Migrando o vapor do lado mais quente da parede para o mais frio, é regra colocar uma barreira retardadora (um filme de polietileno de 200 micron, por exemplo), do lado mais quente do isolamento térmico, ou seja do lado de dentro nos climas mais frios. O ponto a partir do qual há risco de condensações no interior da parede, pode ser aproximadamente determinado, fazendo um perfil transversal de temperaturas da parede, em regime constante e determinando no diagrama psicrométrico o ponto de orvalho para as condições higrotérmicas interiores (ou exteriores, nos climas predominantemente quentes).
A materialização do isolamento térmico de coberturas tem particularidades que decorrem da sua posição, das características construtivas do terraço e da cobertura inclinada e, da utilização do terraço ou do desvão.
O isolamento térmico do terraço deve ser colocado entre a lage e a camada de forma , tendo em vista protege-lo, corrigir as pontes térmicas e reduzir o risco de condensações. Existem hoje materiais isolantes, como o polestireno extrudido que podem ser aplicados sobre o impermeabilizante no que se designa por cobertura invertida, conforme se mostra na Figura 6A.
Figura 6: Isolamento térmico de coberturas : a cobertura invertida e a cobertrura inclinada
sobre desvão habitado
Toda a cobertura fica assim protegida das oscilações térmicas, incluindo o impermeabilizante o que é particularmente relevante, tendo em atenção não só as condições de Inverno, mas também as de Verão.
Por exemplo em Lisboa, no Verão, a radiação na horizontal é muito superior à que incide numa superfície vertical com qualquer orientação, como se pode verificar na Figura 43 . Durante a tarde, a radiação solar pode elevar a temperatura superficial de um terraço, dezenas de graus acima da temperatura do ar que ultrapassa os 30.0ºC. Mas durante a noite, com céu limpo, a temperatura do terraço é inferior à temperatura do ar que ronda os 18.0ºC, devido ás perdas radiativas para o céu (ver Arrefecimento Radiativo).
O isolamento térmico e a gravilha clara que reflecte uma parte da radiação solar incidente, atenuam as temperaturas diurnas do terraço e as correspondentes dilatações térmicas diminuindo, portanto, o risco de fissuração da lage.
Eis um exemplo em que se conjuga a satisfação de exigências de conforto e de qualidade da construção, combinando estratégias condutivas e radiativas.
A introdução do isolamento térmico na cobertura inclinada depende do uso do desvão. Se o desvão não for habitado, o isolamento térmico deve ser assente sobre o tecto.A cobertura que pode ser de telha vã, assegura a protecção contra a chuva e enquanto para-sol e conjugada com o desvão que, neste caso, se considera fortemente ventilado, reduz a carga térmica devida à radiação solar que incide sobre a cobertura.
Se o desvão for habitado, o isolamento deve ser colocado na cobertura inclinada. Existem no mercado placas moldadas para assentar sobre esteira e receber as telhas, dispensando o ripado. A Figura 6B reproduz um curioso esquema para telha vã, inserto em publicação da ACEPE (Associação do Controle de Qualidade das Espumas de Poliestireno Expandido), o qual integra uma aba, para a correcção das pontes térmicas.
O isolamento térmico de pavimentos sobre o exterior ou sobre caixa de ar, deverá revestir a sua face inferior (Figura 7A). Se o pavimento assenta directamente sobre o solo, o isolamento perimetral é prioritário, verificando-se que predominam as trocas térmicas perimetrais. O isolamento superficial sob o pavimento depende do aproveitamento que se pretende obter da massa térmica da terra (ver "Earth Cooling"). O isolamento perimetral pode ser facilmente obtido, prolongando o isolamento térmico das paredes até ás fundações (Figura 7B).
Figura 7: Isolamento térmico de pavimentos
No isolamento dos envidraçados, deve-se ter presente que o seu balanço térmico combina as trocas por condução que dependem do valor U, com as trocas radiativas que dependem do factor solar Fs, conforme se esquematiza na Figura 8.
Figura 8: Balanço térmico de um envidraçado
O coeficiente de transmissão U pode ser reduzido intercalando caixas de ar rarefeito em vidros duplos ou triplos, aliás sem uma correspondente redução do factor solar. O isolamento térmico dos envidraçados tem que ser acompanhado pelo isolamento dos caixilhos, recorrendo a materiais menos condutores, como a madeira e o PVC, ou recorrendo à rotura térmica nos caixilhos metálicos, em que se separa o lado de dentro do lado de fora do caixilho.
- Redução da área do invólucro, escolhendo a forma mais compacta, ou seja, a forma que ofereça a menor superfície envolvente para o volume necessário.
Atente-se no quadro da Figura 9 que relaciona a razão superficie envolvente/volume encerrado (factor forma) com a forma e a escala.
Figura 9: Factor forma
Nele se pode verificar que o factor forma é tanto menor quanto maior é o volume, para a mesma forma e quanto a forma mais se aproxima da esfera.
Uma esfera com 3000.0M3 tem um factor forma de 0.33.
Uma habitação cúbica com 100.0M2 (300.0M3)tem um factor forma de 0.89. Se ela for alongada (aproximadamente 17.4X5.8X3.0)o seu factor forma é de 1.13. Se integrada num bloco habitacional cúbico com 10 fogos, beneficia do factor forma deste que é de 0.41.
Estas medidas devem ser doseadas de acordo com as necessidades ou face a outras recomendações contraditórias. Num clima muito frio poderá optar-se por maiores densidades em grandes edifícios ou por mais isolamento térmico. Outras estratégias, nomeadamente as radiativas e convectivas podem conduzir , pelo seu caracter direccional, a formas menos compactas e mais alongadas ou recortadas (ver Captação Solar, Protecção Solar e Ventilação).
Ilustra-se a integração destas medidas na arquitectura, no seguinte pormenor do Instituto Nacional de Pensões (Figura 10), em que Alvar Aalto, com elegante simplicidade e de harmonia com o clima frio e pouco ensoalhado de Helsínquia, combina o isolamento térmico e a iluminação natural, numa fachada de marcada horizontalidade. A altura do vão predomina sobre a do pano de peito, pelo artifício de um chanfro na lage que, sobreelevando a verga, faculta mais luz para o fundo da sala.
Figura 10: Pormenor do Instituto Nacional de Pensões (Arq. A. Aalto)
Ao cuidado posto no vidro duplo em caixilharia de madeira, corresponde o isolamento térmico das paredes, entre um pano exterior de tijolo maciço e um pano interior de betão estrutural, sem descurar as pontes térmicas.
O perfil de cobre que protege a correcção térmica da ponta de lage que aflora na fachada, contribui para a sua marcada horizontalidade.
Minimizar a Infiltração: Protecção do Vento e Vedação -Índice-
A infiltração é simplesmente uma ventilação indesejável. Ela está para a ventilação assim como o ruído está para o som.
No período FRIO, a infiltração do ar exterior mais frio é acompanhada por uma correspondente exfiltração do ar interior mais quente, por fendas, juntas e aberturas do invólucro edificada, traduzindo-se em perdas convectivas que se acrescentam ás condutivas.
A ventilação envolve sempre trocas de calor convectivas ou, inversamente, a convecção envolve sempre uma transferência de massa e, portanto o movimento de um fluído. Isso a distingue da condução.
O vento pode trazer ao local em que nos encontramos, massas de ar mais frias ou mais quentes substituindo-se à que nele se encontra, ou pode acelerar trocas de calor entre o ar e as superficies que contacta, o que qualquer de nós pode facilmente experimentar com o seu próprio corpo. E, afinal, a diferença de pressões que origina o vento, também ela se associa a transferências de calor... que resultam das diferentes inclinações latitudinais dos raios solares. É daí que vem a palavra "clima"!
No contexto das estratégias para o período FRIO, destacam-se a convecção superficial e as trocas de calor associadas às infiltrações que são tratadas diferentemente.
A convecção superficial em paredes, coberturas e pavimentos, como foi referido atrás, é combinada com as trocas radiativas numa resistência superficial que se associa à condutância no coeficiente de transmissão térmica U. Tal como nas trocas de calor por condução, também se pode traduzir estas trocas convectivas numa expressão linear em que, segundo Newton, o fluxo de calor convectado entre o sólido e o fluído (Qcv), varia na razão directa do gradiente de temperatura (t´- t)entre eles e da área superficial do sólido (S), introduzindo um factor de proporcionalidade: o coeficiente de transferência de calor por convecção hc:
Já nas trocas de calor devidas ás infiltrações, é considerada a substituição do ar interior por ar exterior, pelo que o fluxo de calor Cv é directamente proporcional à diferença de temperatura entre o ar exterior e o interior (t´- t) e ao volume de ar renovado (V), tendo como factor de proporcionalidade, o calor específico do ar (c), nas condições de temperatura e de pressão correntes.
As infiltrações pelo invólucro, por exemplo através das frinchas de uma parede, dependem do ângulo de incidência e da pressão do vento. Esta, varia com o quadrado da sua velocidade. A velocidade pode ser estimada pelas perturbações correntes que provoca. Conforme mostra o Quadro I, a Escala de Beaufort, originalmente concebida para a navegação, gradua o vento em escalões caracterizados pelos seus efeitos perceptiveis, a ter em especial atenção na Protecção contra o Vento dos espaços exteriores.
Quadro I: Escala (terrestre)de Beaufort
|
Grau Beaufort |
Velocidade média em km/h |
Designação
|
Efeitos |
|
1 |
... 5 |
Vento Calmo |
Vento imperceptivel. O fumo sobe quase verticalmente. |
2 |
6-12 |
Brisa Leve |
O vento sente-se na face, as folhas
fremem. |
3 |
13-20 |
Brisa Moderada |
Levantam-se os cabelos, a roupa bate com o vento. |
4 |
21-29 |
Vento Fresco |
O pó e os papeis levantam-se, os cabelos
desalinham-se. |
5 |
30-39 |
Vento Forte |
O vento sente-se em todo o corpo. Limite da sensação
agradável do vento. |
6 |
40-50 |
Vento Muito forte |
O andar torna-se instável. |
7 |
51-61 |
Vento Tempestuoso
|
Caminhar contra o vento é penoso. Partem-se galhos das ásvores |
8 |
62-74 |
Vendaval
|
Risco de perda de equilibrio na marcha. |
9 |
75-87 |
Vendaval Forte |
Árvores são arrancadas pela raíz. Perigo de se ser levado pelo vento |
10 |
88 ... |
Tempestade
|
Prejuizos importantes nas estruturas |
|
Mas as infiltrações pelo invólucro dependem ainda da sua estanquidade ao vento. Assim, o controlo das infiltrações compreende medidas de protecção contra o vento e de vedação do invólucro.
As medidas de protecção contra o vento incluem:
- A localização do edifício, evitando a sua exposição aos ventos dominantes no período FRIO;
- o arranjo paisagistico dos espaços exteriores próximos, usando quebra-ventos e outras disposições de abrigo tais como taludes e sebes vivas;
- a configuração orientada do edifício de modo a oferecer a menor secção ou resistência aos ventos dominantes;
- a compartimentação do espaço interior (o que obriga a um compromisso coma planta aberta, mais favorável ao passivo);
- a interposição de vestíbulos tampão ou de transição, nas entradas principais, aliás convenientemente orientadas e protegidas em relação aos ventos dominantes no período FRIO.
A vedação da envolvente edificada requer:
- Paredes, tectos e pavimentos contínuos, usualmente de alvenaria, ou protegidos por revestimentos contínuos pouco permeáveis ao ar;
- Pormenorização e execução cuidadas das juntas secas e das juntas móveis, para que o bom encaixe das partes dificulte a passagem do ar, bem como da sua selagem com "mastic" ou perfil maleavel adequado.
Quanto à caixilharia, estes cuidados de vedação podem levar, não só a conter o número de folhas móveis, mas também a preferir as folhas giratórias ás de correr, pois que os vedantes de aperto permitem maior estanquidade do que as pelucias que requerem as folhas de correr.
- condutas de admissão e de extracção de ar reguláveis por registos. Nas habitações, as lareiras devem possuir conduta de admissão de ar exterior para a queima, para não puxar o ar exclusivamente da sala.
As infiltrações podem ainda ser acentuadas, no período FRIO, pela tiragem térmica, favorecida em espaços interiores pouco compartimentados, desenvolvidos em altura, com aberturas desniveladas, o que reforça a preferência pela compartimentação do espaço, estando em causa o controlo das infiltrações.
Os cuidados a ter com as infiltrações dependem das condições climáticas, face a dadas exigências de conforto.
Em climas amenos podem predominar hábitos associados a um maior contacto com o exterior, tais como uma maior negligência, porque pouco penalizante, na abertura de portas e janelas. Este comportamento remete para um maior cuidado na protecção do vento e para um menor rigor na vedação do invólucro.
Climas mais rigorosos implicam maior rigor na vedação do invólucro acrescentando-se à protecção do vento. A Figura 11 exemplifica os cuidados especiais a ter com a vedação do invólucro, no que respeita aos caixilhos móveis, quer quanto aos vedantes (Figura 11-A), quer quanto ás ferragens (Figura 11-B).
Figura 11: Vedantes e ferragens
Traduzindo o nível das infiltrações pelo número de renovações por hora (rph), este ultrapassa frequentemente 1.0 rph em climas amenos e chega a ser inferior a 0.5 rph nos paises frios, devido a medidas de conservação de energia. Note-se que uma utilização mais negligente de portas e janelas, pode reflectir-se em taxas superiores a 10.0 rph, comprometendo-se assim o aproveitamento de medidas de conservação e passivas, porventura contempladas no edifício.
Grandes densidades de ocupação em edifícios terciários, podem obrigar a taxas de renovação elevadas, as quais requerem sistemas de ventilação com permutadores ou recuperadores de calor para a conservação de energia.
Por outro lado, taxas de renovação inferiores a 0.5 rph devem ser evitadas, pois podem por em causa a qualidade do ar, pela desagradável e insalubre concentração de monóxido e dióxido de carbono, dióxido de azoto, formaldeído, radão e de outros gases ou produtos libertados pelo homem, por equipamentos e pelos materiais de construção.
O controlo da infiltração, combina-se com a restrição das perdas por condução através do invólucro, nas medidas de conservação que os meios passivos (ganhos solares) compensam, de acordo com as condições climáticas locais.
Assim, deve-se conjugar as medidas de conservação com as disposições passivas (ver Captação Solar e Massa Térmica). É o que se verifica na casa Jacobs 2 de F. L. Wright (Figura 12) em que, entre outras, as medidas especiais de protecção contra o vento são bem visíveis.
Figura 12: Casa Jacobs 2 (Arq. F. L. Wright)
Nas medidas de conservação devem ser equilibrados os níveis de isolamento térmico e de infiltração: A menores perdas por condução em consequência de um maior isolamento térmico, corresponde uma maior importância relativa das perdas convectivas por infiltração pelo que, quanto maior é o isolamento térmico maior deve ser a protecção do invólucro contra as infiltrações.
Promover os Ganhos Solares: Captação Solar e Massa Térmica -Índice-
A promoção de ganhos solares - solar passivo - justifica-se para as temperaturas médias exteriores abaixo do limite inferior da zona de conforto devendo combinar-se com as estratégias de conservação, visando estas minimizar as perdas por condução e infiltração.
A Figura 13 esquematiza estas perdas por condução e infiltração e os ganhos, indicando uma repartição típica das perdas duma moradia corrente, no Inverno.
A figura inclui também os ganhos solares no espectro visível, ressaltando a importância da conjugação entre a térmica e a iluminação natural.
Figura 13: Perdas e ganhos de calor de um espaço no Inverno
As casas podem-se manter dentro da zona de conforto, com temperaturas exteriores mais baixas, graças à sua inércia e à sua resistência térmica, aos ganhos internos provenientes das pessoas e dos equipamentos (esquentador, fogão de cozinha, máquinas de lavar, frigorífico, lâmpadas, etc) bem como graças a ganhos solares obtidos através de envidraçados correntes.
Este efeito de modulação climática de um edifício, pode ser parcialmente traduzido num gráfico em que se sobrepõem as temperaturas interiores e exteriores, conforme mostra a Figura 14. Este gráfico refere-se à mais recente monitorização da Casa Solar Passiva de Vale Rosal, efectuada em dois periodos de 1996-1997 (H. Gonçalves e outros, Edifícios Solares Passivos em Portugal, INETI/ALTENER, 1997).
A Casa Solar Passiva de Vale Rosal, localizada numa zona sub-urbana da Área Metropolitana de Lisboa, foi um dos projectos experimentais que tivemos a oportunidade de efectuar nos anos oitenta, acompanhando depois a construção da casa e a sua utilização durante dois anos.
Repare-se nas pequenas amplitudes térmicas interiores (sala e quarto), bem dentro da zona de conforto, face à grande amplitude da temperatura exterior que oscila, a maior parte do tempo, fora da zona de conforto.
Figura 14: Comportamento térmico da casa solar passiva de Vale Rosal
Simpificadamente, para condições habituais em Portugal, os ganhos gratuitos atrás mencionados, cobrem 3ºC das perdas por condução e infiltração, repercutindo-se numa temperatura de referência para os graus-dia, de 15ºC e não de 18ºC. Esta temperatura de referência aparenta-se com balance point.
Qualquer edifício tem o seu balance point, uma temperatura de equilibrio exterior para a qual, os ganhos solares mais os ganhos internos compensam as perdas por condução e infiltração, para uma temperatura interior nos limites das zona de conforto.
Simplificadamente, este balance point, para dadas condições de radiação solar, é função das características do edifício que influenciam as suas perdas e ganhos (factor de forma, isolamento térmico e vedação do invólucro, proporção de envidraçados a sul).
Restringindo as perdas por condução e infiltração -conservação- e aumentando a abertura solar para promover ganhos solares -solar passivo- diminui-se a razão carga/colecção baixando-se o balance point.
Aumenta-se, assim, a fracção de poupança solar, em relação a um edifício sem a abertura solar considerada, mas em tudo o mais idêntico. Esta fracção reduz ou suprime o consumo de energia de apoio em equipamentos auxiliares. Portanto, pode-se considerar o balance point como um indicador da capacidade de regulação passiva do edifício.
O solar passivo e as outras estratégias radiativas (a protecção solar e o arrefecimento radiativo), situam-se no âmbito das trocas de calor por radiação, a qual é originada pelos movimentos das cargas eléctricas dos átomos de um corpo, devidos à agitação térmica.
As estratégias radiativas assentam em duas propriedades que caracterizam as trocas de calor por radiação. A primeira é a de que a radiação não carece de um meio de propagação material (sólido ou fluído), ao contrário do que acontece com a condução e a convecção. Basta que o meio que separa os corpos seja suficientemente transparente para a radiação em causa.
A segunda propriedade é a de que a radiação depende, fundamentalmente, da temperatura absoluta dos corpos materiais, qualquer que ela seja, ao contrário do que acontece na condução e na convecção, em que está em jogo uma diferença de temperatura entre dois pontos de um contínuo material. Stefan e Boltzman formularam esta relação de dependencia para o corpo negro (cuja emissividade é, por definição igual à unidade): a intensidade da radiação emitida por um corpo negro no vazio, é proporcional à quarta potência da sua temperatura absoluta. A constante de proporcionalidade é a constante de Stefan-Boltzman.
Mas os corpos reais (o nosso incluido) não são corpos negros. O seu poder emissivo é inferior ao do corpo negro ideal à mesma temperatura (sendo pois a razão entre estes, a emissividade, inferior à unidade) pelo que a sua emitância (intensidade da radiação emitida), é função da sua temperatura absoluta e da sua emissividade.
Por outro lado, assim como emitem radiação, todos os corpos igualmente a absorvem e, salvo o corpo negro, também reflectem uma parte da radiação que neles incide. Os coeficientes de reflexão, de transmissão e de absorção variam com a temperatura e o comprimento de onda, mas a sua soma é sempre igual à unidade e a emissividade é, em regra igual ao coeficiente de absorção.
Na Figura 15 pode-se observar que, o coeficiente de absorção para a radiação solar, difere do coeficiente de absorção para a radiação secundária, de grande comprimento de onda a baixas temperaturas (da ordem das dezenas de grau centígrado), o que deve ser tido em conta não só na promoção de ganhos solares mas também na protecção solar.
Figura 15: Coeficiente de absorção de materiais de construção e cores
Estes materiais, na cor natural ou acabados noutra cor, não transmitem a radiação incidente pelo que o seu coeficiente de reflexão, obtêm-se subtraindo o coeficiente de absorção à unidade. Tal não acontece nos materiais transparentes como o vidro, com especial interesse para o solar passivo, os quais refletem uma parte da radiação solar, em função do ângulo de incidência. Assim, no vidro claro corrente, o coeficiente de absorção pouco varia com a incidência da radiação -ele é de 0.05 para a incidência normal
e de 0.06 para um ângulo de 80º- mas os coeficientes de reflexão e de transmissão passam, respectivamente, de 0.08 a 0.52 e de 0.87 a 0.42, quando se passa da incidência normal à incidência a 80º.
O solar passivo aproveita a radiação emitida pelo Sol, cujo espectro vai desde os grandes comprimentos de onda da radiação infra-vermelha, até aos pequenos comprimentos de onda da ultra-violeta, de um e outro lado do espectro visível. Esta radiação é colectada e transmitida para dentro do espaço aquecido, através de uma abertura solar envidraçada e absorvida por massas térmicas complementares, colocadas no interior. O colector envidraçado pode ser complementado por reflectores exteriores adjacentes e, a absorção das massas térmicas, pode ser aumentada usando filmes selectivos que, fugindo à regra geral e por obra do engenho humano, têm uma baixa emissividade e um elevado coeficiente de absorção!
A radiação colectada é função da área do colector (S) e da radiação solar que nela incide. A radiação solar incidente depende da radiação solar disponível (I) num dado período e das obstruções (factor de sombreamento ). A radiação solar disponível (numa superfície que a recebe), varia com a orientação da superfície e com o local (latitude e condições atmosféricas).
Apenas uma parte da radiação solar incidente na superfície colectora é transmitida, o que se traduz no factor solar Sv ...E nem toda a que é transmitida é utilizada, o que se traduz num factor de utilização , o qual depende do sistema solar passivo. Nestes termos, os ganhos solares úteis (GSU) podem equacionar-se como se segue:
Quanto à radiação solar disponível (I), dever-se-á dispor de uma abertura solar, integrando envidraçados orientados a sul, com uma tolerância de 20º para Este ou Oeste, no propósito de maximizar a captação da radiação solar.
Nas regiões mais acidentadas, a habitação dever-se-á localizar nas encostas expostas a Sul, não só para facilitar o desenvolvimento da abertura solar, mas também porque se verifica serem as encostas mais quentes no Inverno, na medida em que são as que recebem mais radiação nessa estação. Têm estas encostas a vantagem adicional de, no Verão, serem menos penalizadas pela radiação solar do que as encostas expostas a Poente e a Nascente.
Condicionamentos urbanísticos podem conduzir a soluções artificiosas para se obter uma abertura solar com uma significativa contribuição solar para o aquecimento.
Por exemplo, um lote alongado no sentido Norte-Sul pode conduzir a uma solução escalonada e não ao alongamento do eixo Este-Oeste que usualmente se preconisa para a casa solar passiva.
É o que se verifica na Casa Solar Passiva de Vale Rosal acima referida, a qual integra na arquitectura os principais sistemas solares passivos, como se pode ver na Figura 16 .
Esta casa integra ainda, o aquecimento de águas domésticas e do ambiente, combinando colectores solares e um recuperador de calor na lareira, com o acumulador de água quente na prumada da chaminé.
O escalonamento em elevação e em planta, permitiu conjugar o solar passivo com sucessivos graus de privacidade e com diversas situações de disfruto dos espaços exteriores
.
Figura 16: Casa solar passiva de Vale Rosal vista de SW
Quanto ao factor de sombreamento (), estão em causa não só as sombras projectadas na abertura solar pelos acidentes do edifício a que pertence, mas também as que se podem dever a obstruções vizinhas: outros edifícios, vegetação, relevo.
Portanto, a indispensável garantia de acesso ao sol destes envidraçados, tem implicações urbanísticas e paisagísticas que podem ser determinantes, tal como acontece com a ventilação natural de espaços urbanos. Estas implicações não estão devidamente contempladas na legislação vigente. Designadamente o art.º 59 do RGEU, tem em consideração a iluminação natural e, não tanto o conforto térmico.
O acesso ao Sol pode ser traduzido num angulo de acesso ( ) para o período do ano e do dia em que se pretende assegura-lo. Por exemplo, entre as 9H00 e as 15H00 do solstício de Inverno. Dada uma morfologia urbanística, a densidade urbana que se pode traduzir num Índice de Construção (IC), é função do ângulo de acesso, tendo ainda em conta a espessura dos edifícios (F), o pé-direito (H), o número de pisos (N) e o declive geral do terreno ( , positivo para Sul).
Para o caso das barras paralelas ou bandas, tem-se a expressão (5) que a Figura 17 complementa :.
Figura 17: Urbanização de encostas
Idêntica formulação para a urbanização pontual (torres), em quarteirão e em tapete, mostra que o ângulo de acesso ao Sol é mais limitativo para IC, na forma pontual e menos na urbanização em tapete.
A eq. (5) mostra que as encostas expostas a Sul são vantajosas (mais uma vez). Também nela se pode verificar que a densidade urbana controlada pelo ângulo de acesso tende rápidamente para um limite, contrariando a vantagem das elevadas densidades e dos edifícios altos, defendida no modelo Heiligenthall-Gropius.
O modelo Heiligenthall destinava-se a demonstrar as vantagens do "hochbau", dos blocos habitacionais de 10 a 12 pisos, mas Gropius viria a reconhecer depois maiores vantagens no "flashbau", nas habitações baixas (L. March, 1975).
Em suma, o acesso ao sol parece favorecer as habitações baixas agrupadas ("low-rise-group-housing"), em tapete, porventura escalonadas em declives acentuados para Sul ( Figura 17 e Figura 18). Note-se que, esta morfologia urbana vai também ao encontro da escala humana, numa relação mais directa da habitação com espaços urbanos exteriores animados e seguros, disfrutando da amenidade climática que predomina em Portugal e, evitando a turbulência que podem originar os edifícios altos.
Figura 18: Habitações baixas agrupadas
Os principais instrumentos de desenho para a determinação do acesso ao Sol (ou inversamente, para a determinação de sombras) são: a carta solar, os transferidores de ângulos de sombra e de incidência, a máscara de sombreamento e o quadrante solar para modelos reduzidos (consultar Cavaleiro e Silva, A. e Malato J., Geometria da insolação de edifícios, MOP/LNEC, Lisboa, 1969). A estes instrumentos de desenho se acrescentam hoje outros meios proporcionados por programas informáticos como o SUNTOOL.
Na Figura 19 mostra-se um simulador de prancheta móvel com quadrante solar para o estudo de sombras em modelos reduzidos.
Figura 19: Simulador de prancheta móvel
Quanto ao factor solar (Sv), a utilização de vidro claro corrente para vedar a abertura solar, justifica-se porque ele tem um elevado coeficiente de transmissão para as radiações visivel e ultravioleta que predominam na radiação solar, ao contrário do que acontece com os corpos que nos rodeiam (e com o nosso próprio corpo) que apenas emitem radiação (secundária) infra-vermelha.
Quanto ao factor de utilização (), deve-se promover os ganhos solares prevenindo o sobreaquecimento do espaço servido pela abertura solar, tornando-se imperativo complementa-la por massas térmicas. Assim, dever-se-à dispor as massas de armazenamento térmico de modo a serem bem vistas pela abertura solar, o que remete para a sua colocação em pavimentos e paredes interiores no ganho directo.
O calor acumulado em compartimentos com ganho directo ou estufas pode ser distribuido a outros compartimentos, deixando que o ar circule em "looping" pelas portas, pois que uma porta pode funcionar nos dois sentidos como se fosse composta por duas condutas sobrepostas. A eficiência das massas térmicas colocadas noutros compartimentos é reduzida, pois beneficiam de trocas convectivas mas não das trocas radiativas que ocorrem nos compartimentos em ganho directo.
Para o seu aproveitamento em profundidade, as massas térmicas complementares de aberturas solares devem ser constituidas por materiais com elevada efusividade térmica (produto da condutibilidade térmica pela capacidade calorífica), pelo que, conforme se pode constatar na Figura 24 a pedra e o betão são melhores do que o tijolo cru (adobe)ou cozido (tijolo), permitindo maiores espessuras úteis.
A abertura solar, a massa térmica e o espaço aquecido constituem um sistema solar passivo. A posição relativa da massa térmica tem assinaláveis implicações no comportamento térmico do sistema e na arquitectura, justificando-se assim, a destrinça entre ganho directo e o ganho indirecto. Esta classificação está esquematizada na Figura 20, em que o ganho indirecto está representado pelas duas variantes mais paradigmáticas: a parede Trombe (que pode não ser ventilada!) e a estufa.
Figura 20: Sistemas de ganho directo e indirecto
O dimensionamento dos sistemas solares passivos anda muito associado à radiação, número de dias seguidos sem sol e ás temperaturas exteriores por um lado e, por outro, ás medidas de conservação (restrição de perdas condutivas e convectivas), como já foi acima referido.
Deve-se portanto tomar com reserva e a título indicativo para o território de Portugal, os seguintes valores para a abertura solar medida no tosco e para a massa térmica complementar, traduzindo o espaço aquecido na sua área útil de pavimento:
Para o ganho directo, em que o espaço aquecido está entre a abertura solar e as massas térmicas, tal como se verifica nos edificios correntes em que as janelas estão orientadas para sul:
abertura solar / área útil = 1/4 a 1/6 (dependendo das condições locais de temperatura e radiação)
abertura solar / massa térmica =1/6
espessura da massa térmica =0.10 a 0.15 m
Para a parede Trombe não ventilada, em que a massa térmica, entre a abertura solar e o espaço aquecido, é uma parede maciça com a face exterior de cor escura, separada do envidraçado por uma caixa de ar:
área da abertura solar = 1.5X a área estimada para o ganho directo
espessura da parede =0.20 a 0.30 m
espessura da caixa de ar entre a parede e o envidraçado =0.025 m
Para a estufa em que, como na anterior, a massa térmica se coloca entre a abertura solar e o espaço aquecido, mas separada do envidraçado por um compartimento acessível de uso condicionado:
área da abertura solar = 2X a área estimada para o ganho directo
abertura solar / massa térmica =1/3
espessura da massa térmica =0.20 a 0.30 m
Estes valores indicativos mostram que estufa e a parede Trombe têm menor rendimento do que o ganho directo. Em contrapartida a estufa permite uma fruíção que transcende a sua eficiência energética e a parede Trombe permite atrasar a onda de calor, proporcionando o aquecimento nocturno dos espaços adjacentes
Em todos os sistemas se considera a massa térmica materializada em tijolo maciço, betão, pedra ou terra crua (adobe) e a abertura solar envidraçada com vidro claro corrente. Não se considera nem películas selectivas nem vidros especiais tais como o vidro de baixa emissividade (low-E) e o isolamento transparente (TI).
Excedendo a temperatura exterior as condições de cálculo em dias com sol, o que pode ocorrer mesmo no Inverno, dever-se-á prevenir o sobreaquecimento e, portanto, considerar a protecção solar das aberturas solares e, no caso das estufas, a sua desactivação no período quente. A desativação da estufa consegue-se maximizando a sua ventilação natural e o sombeamento do envidraçado
Em climas benignos e ensoalhados, como ocorre em Portugal, a estufa deve mesmo ser evitada ou, se requerida, deve constituir um espaço de transição separado do espaço interior. Nestes climas, a solução do tipo atrio (pátio com cobertura envidraçada), mais fustigada pela radiação solar no Verão do que no Inverno, deve por maioria de razão ser evitada.
Mais uma vez o exemplo da Casa Solar Passiva de Vale Rosal, a qual integra uma estufa como espaço de transição, à entrada da casa. A desactivação da estufa está patente nas duas imagens incluidas na Figura 21: o vidro nu, banhado pelo Sol no Inverno (imagem da esquerda), transforma-se numa "cascata" de densa folhagem no Verão (imagem da direita).
Adiante se tratará do sombreamento dos envidraçados e dos espaços exteriores, recorrendo à aplicação de caducifólias.
Figura 21: Casa solar passiva de Vale Rosal vista de SE no Inverno e no Verão
A maior área de abertura solar requerida nos climas moderados a frios deve ser repartida, tendo em conta a sua eficiência, as necessidades de protecção, a operação das partes móveis e os custos. Também deverá ser ponderada a sua aplicação em museus, bibliotecas e outros edifícios com idênticas exigências de conforto visual e de conservação patrimonial.
O solar passivo com elevadas fracções de poupança solar, satisfazendo elevados níveis de conforto, só veio a ser possível com o desenvolvimento das técnicas do vidro e do isolamento térmico.
A aplicação extensiva do vidro, a partir do seculo XIX, permitiu proteger do vento frio as largas varandas ensoalhadas do Norte de Portugal, designadamente as "varandas envidraçadas" beirãs que Keil do Amaral descreveu com compreensiva ternura (Arquitectura Popular em Portugal, SNA 1962). Dentro da Península Ibérica, é na Galiza que se encontra a mais extensiva aplicação do vidro em "galerias envidraçadas", de que é o mais belo exemplo, o conjunto das "galerias da Mariña" na Corunha, pleno de urbanidade.
As duas imagens incluidas na Figura 22, patenteiam um expressivo contraste na fenestração de fachadas, de acordo com o clima: lado a lado o rendilhado das "Galerias da Mariña" da Corunha Cantábrica e o sólido conjunto da Praça do Giraldo, na Évora Mediterrânea.
Figura 22: As Galerias da Mariña da Coruña e a Praça do Giraldo de Évora
A construção em Portugal que ainda hoje usa materiais pesados, oferece a massa térmica necessária para complementar os envidraçados dimensionados e orientados para o aproveitamento da radiação solar.
Estes envidraçados deverão ser munidos, preferivelmente pelo exterior, de dispositivos que os protejam no período quente. Nestas condições, as varandas envidraçadas, vulgo "marquises", oferecem um importante potencial solar passivo.
Minimizar a Condução: Inércia Térmica -Índice-
Verificando-se que, no período QUENTE, a temperatura oscila em torno de uma média que cai dentro da zona de conforto,essa oscilação não pode ser desprezada, devendo-se considerar as trocas de calor em regime variável e não o regime permanente que é aplicável no período FRIO.
No regime periódico, caso especial do regime variável considera-se, não uma transmissão instantanea de calor, mas uma onda de calor que entra pelo invólucro, tal como se exemplifica na Figura 23.
Figura 23: atraso e amortecimento da onda de calor numa parede homogénea
Á medida que caminha para o interior, esta onda sofre um atraso e um amortecimento, tanto maiores quanto menor for a difusividade térmica dos materiais e quanto maior for a espessura das paredes. O tratamento matemático desta situação dinâmica, não é tão simples como o do regime permanente, pois obriga a uma artificiosa resolução de equações diferenciais.
Para simplificar a análise, consideremos o caso de um meio semi-infinito cuja superfície é sujeita a um oscilação periodica de temperatura. É sensivelmente o caso do solo cuja superfície sofre a influência das variações de temperatura do ar, admitindo que são periódicas.
Neste caso, a onda de calor sofrerá num período P (vinte e quatro horas, por exemplo), um atraso e um amortecimento (relação entre a amplitude da onda à profundidade x e a amplitude inicial à superfície) que são dados pelas seguintes expressões, em que a é a difusividade térmica :
Note-se que o atraso aumenta proporcionalmente com a profundidade x e que o factor de amortecimento decresce exponencialmente com a mesma profundidade.
A difusividade térmica dos materiais varia inversamente com a capacidade calorifica e, directamente com a condutibilidade térmica. Como se pode constatar na Figura 24, o tijolo cru (adobe) e o cozido (maciço) são pois, preferíveis ao betão e à pedra, pela sua menor difusividade, ao contrário do que acontece nas massas térmicas integradas em sistemas solares passivos, a que se associa o conceito de efusividade térmica.
Figura 24: Propriedades termo-físicas de alguns materiais de construção
Considerando que o calor específico não varia muito de material para material, o amortecimento e o atraso dependem fundamentalmente da massa (do peso), quanto à capacidade calorífica. Nestes termos, a designação de massa térmica é expressiva.
Colocando massa térmica na envolvente e, tanto mais massa quanto maiores as oscilações térmicas que caracterizam o clima local, amortece-se a onda de calor que entra, conseguindo-se assim manter a temperatura interior próxima da média diária exterior.
Dado que a oscilação térmica do clima varia na razão inversa da sua tensão do vapor,os climas secos têm maiores amplitudes térmicas diárias, sendo a eles mais adequadas as envolventes pesadas e os climas mais húmidos têm menores amplitudes térmicas, sendo a eles mais adequada a ventilação em casas leves.
Esta adequação verifica-se na arquitectura vernácula, mais pesada nos climas áridos e mais leve nos climas tropicais húmidos ou moderados pela imediata proximidade do mar.
O uso eficiente da inércia térmica de paredes, pavimentos e tectos depende da superfície de contacto da sua massa térmica com o espaço interior.
Soalhos, alcatifas e outros revestimentos com resistências térmicas entre 0.14 e 0.5 m2.ºC/W, reduzem a sua eficiência a cerca de metade e os isolamentos térmicos com resistências térmicas superiores à unidade, neutralizam-nas praticamente. Deve-se pois, colocar o isolamento térmico pelo exterior da massa térmica da envolvente edificada, se se pretende tirar proveito dela.
No entanto, em padrões de uso intermitente que ocorrem na habitação urbana ou na casa de férias com escassos ou irregulares ganhos solares e internos, o rápido aquecimento recorrendo a equipamento auxiliar, é prejudicado pela inércia. Assim, em locais em que o FRIO é dominante, pode haver interesse em neutralizar as massas térmicas com revestimentos isolantes, tradicionalmente tecidos, ou mesmo em reduzi-las (ver Isolamento e Factor Forma).
Mas o uso eficiente da inércia térmica de paredes, pavimentos e tectos, para amortecer a onda de calor diária ou sequencial de alguns dias (cerca de dez dias), depende não só da sua superfície de contacto com o espaço interior, mas também da sua espessura.
Esta dupla dependência é contemplada no conceito de massa superficial útil, em que a espessura de uma parede, de um pavimento ou de um tecto, atingida por uma onda de calor diária (ou sequencial), se traduz em peso e este é referido à superfície em elevação ou em planta dessa parede, desse pavimento ou desse tecto.
Usando o método CSTB (Cahiers du CSTB, nº209 de Maio, 1980) para a definição da massa superficial útil de paredes, pavimentos ou tectos em kg/m2, tem-se que, na envolvente que delimita a "zona independente" só conta metade da sua massa se não for isolada, e a massa que está pelo interior do isolamento térmico se está isolada, com um máximo de 150.0 kg/m2 para a inércia diária (750.0 para a inércia sequencial). Quanto às paredes interiores da "zona independente", conta toda a sua massa até 300.0 kg/m2 (1500.0 kg/m2 para a inércia sequencial).
Figura 25: Massa térmica útil segundo o método CSTB
Multiplicando a massa superficial útil de cada parede, pavimento ou tecto pela sua área, somando os produtos e dividindo este total pela área útil de pavimento da "zona independente", obtem-se um índice que permite definir três categorias de ínercia diária para os edifícios: fraca (inferior a 150.0 kg/m2), média (150.0 a 400.0 kg/m2) e forte (mais de 400.0 kg/m2).
Mas a eficiência das massas térmicas nunca é total e, ao calor que apesar de tudo entra por condução, acrescentam-se ganhos internos e os ganhos solares inevitáveis ou fortuitos, bem como os que resultam das infiltrações.
Assim, é adequada a combinação da inércia térmica com a protecção solar de envidraçados de paredes e de coberturas, com o arrefecimento radiativo destas e, com uma ventilação controlada, tal como se exemplifica na Figura 26. Por sua vez, a ventilação também pode ser conjugada com o arrefecimento evaporativo.
Figura 26: Comportamento térmico de um pátio Islâmico
Um edifício tipicamente desenhado para amortecer a onda de calor diária deve ser pesado, ter cores exteriores claras e ser bem sombreado de modo a minimizar-se os ganhos solares pelos envidraçados e a temperatura equivalente da superficie exterior das paredes e das coberturas.
Na arquitectura popular em Portugal, avulta a envolvente pesada das suas paredes exteriores de pedra ou terra crua (Figura 27). O uso de massas térmicas em paredes de terra crua de construções maciças em que, na alvura da cal se abrem pequenas aberturas protegidas por portadas ou reixas, combinando a privacidade o sombreamento e a ventilação, produziu exemplos de serena e expressiva coerência, presentes na arquitectura rural do Portugal mediterraneo.
Figura 27: Arquitectura popular em Póvoa (Trás os Montes) e Aviz (Alentejo)
No entanto, o desejavel amortecimento da onda de calor é acompanhado por um nem sempre desejável desfasamento da onda, o qual remete para a noite, o pico de calor no interior de construções pesadas, com um atraso que pode atingir 12 horas, usando paredes maciças com 0.3m de espessura.
Ocorrendo noites frescas, pode-se utilizar a ventilação estrutural nocturna, aproveitando as temperaturas exteriores mais baixas durante a noite, para atenuar a pico de calor nocturno e arrefecer as massas térmicas.
Estudos de sensibilidade (Santamouris, 1996) indicam que a temperatura interior pode ser significativamente reduzida con ventilações nocturnas até 10.0 rph (renovações por hora). Para maiores taxas de renovação, a redução é insignificante.
A eficiência da ventilação pode ser aumentada, ajudando a mistura do ar com ventoínhas de tecto. Ter em conta que, a utilização das ventoínhas de tecto condiciona a altura dos edifícios, pois requer um pé direito mínimo de 2.75m
Uma outra estratégia para aproveitar as temperaturas exteriores mais baixas durante a noite, é a de combinar diferentes inércias com usos diferenciados: uma zona de utilização diurna pesada, maciça que contrasta com a estrutura leve de uma zona de utilização nocturna, como no exemplo da Figura 28.
Figura 28: Casa com dupla inércia
Promover a Condução: "Earth Cooling" -Índice-
Junto à superfície, a temperatura do solo oscila diariamente em torno da média diária. Caminhando em profundidade, diminue a amplitude térmica diária e aumenta o período de integração da temperatura média que passa a ser sequencial. A cerca de 7.5 m de profundidade, num solo medianamente húmido, a temperatura oscila só anualmente, cerca de 0.5ºC em torno de uma média que, segundo alguns autores, está 2.0 a 3.0 ºC acima da média anual da temperatura do ar. A maiores profundidades, tende-se para o regime permanente. Atingido este regime, a temperatura do solo é constante ao longo de todo o ano.
O amortecimento da onda de calor sequencial é acompanhado por um atraso, entre 5 e 10 dias por cada camada de 0.30 m, ou seja, a cerca de 4.0 m de profundidade o atraso pode ser de 3 meses, o que corresponde à transferência de calor de uma estação para a seguinte.
O comportamento térmico do solo varia com o tipo, a densidade e o seu teor de humidade, este função da pluviosidade e do nível freatico.
As condições de superfície, tais como a exposição ao sol e ao vento e a cobertura vegetal, afectam também as temperaturas do solo.
Estas caracteristicas e condições tem pois que ser tidas em conta quando se pretende edificar com ou debaixo de terra.
Existem básicamente duas estratégias, para utilizar este enorme sumidouro de calor que é a terra. O contacto directo, em que a envolvente edificada está parcialmente ou totalmente enterrada e o contacto indirecto em que o espaço edificado é arrefecido através de permutadores de calor enterrados, serpentinas em que circula um fluído, ar ou água.
Estas duas variantes podem ser utilizadas em sistemas mais simples, para amortecer a onda de calor sequencial (de alguns dias), para um amortecimento e um desfasamento estacionais, ou mesmo inter-estacionais, em edificações enterradas ou utilizando sistemas indirectos de maior envergadura.
A título de referência para o sistema de contacto directo, usando o método CSTB, os valores para as classes de inércia sequencial (cerca de dez dias) são os seguintes: inferior a 750.0 kg/m2 para a inércia fraca, entre 750.0 e 1500.0 kg/m2 para a média e superior a 1500.0 kg/m2 para a forte.
A título indicativo para os sistemas de contacto indirecto através de permutadores a ar, estes devem ter comprimentos superiores a 10.0 m e diametros entre 0.2 e 0.3 m, devendo ser enterrados a uma profundidade de 1.5 a 3.0 m. A velocidade do ar no tubo deverá rondar os 4.0 a 8.0 m/s.
Em climas mistos, com uma estação muito quente prolongada e invernos secos e amenos (temperatura média do mês mais frio superior a 12.OºC), pode-se combinar o "earth cooling" com um "earth heating". A Figura 29 mostra uma engenhosa solução que combina, para o efeito, o contacto directo e o indirecto.
Figura 29: Esquema do funcionamento estacional da "Umbrella House"
Pode-se apontar como vantagens adicionais da edificação com terra em sistemas de contacto directo, uma natural inserção no sítio, a possibilidade aumentar a vegetação no local, a privacidade acústica e visual e a pequena envolvente exterior a manter.
As desvantagens incluem sobrecustos estruturais, sistemas de impermeabilização dispendiosos e dificeis de reparar, custosos isolamentos resistentes à humidade e aos insectos, necessidade de controlar a humidade para prevenir a ocorrência de condensações e a necessidade de instalar cortes térmicos em paredes e coberturas que saiem da terra.
Os quatro esquemas inseridos na Figura 30, sistematizam os principais problemas de isolamento e de humidades que foram apontados.
Figura 30: Alguns pontos críticos das construções enterradas
Estes inconvenientes , a insuficiente literatura e uma experiência pouco divulgada , tornam o earth cooling uma opção delicada, a qual implica um cuidadoso estudo do terreno, não só face aos inconvenientes apontados, mas também tendo em conta as suas caracteristicas, inclusivamente mecânicas, devendo preferir-se os terrenos secos, estáveis, fáceis de escavar e de entivar .
Por outro lado, reconhece-se que existem realizações que contrariam o preconceito de que as construções enterradas são necessáriamente soturnas e húmidas mostrando, pelo contrário que, a par da privacidade, podem constituir ambientes luminosos e arejados, nomeadamente em terrenos prejudicados por usos vizinhos desfavoráveis e em soluções de pátio ou de encosta .
Atente-se no exemplo da Figura 31. As "Seward Town Houses" foram construidas em 1979, na orla sul de uma via rápida de Minneapolis, Minnesota, U.S.. Este conjunto de casas em banda semi-enterradas combina o abrigo da terra a norte, com a abertura a sul devidamente protegida na época quente, aproveitando o Sol no Inverno e mantendo temperaturas interiores muito estáveis na época quente, face a grandes oscilações da temperatura exterior, como se pode ver no gráfico junto.
O abrigo da terra a norte não é só térmico, pois constitui também uma adequada protecção contra o ruído e contra eventuais acidentes rodoviários. Oferecendo à via rápida a amenidade dos seus taludes arborizados, o conjunto abre-se para um jardim a sul, aconchegado e aprazível.
Aproveitando terrenos desvalorizados pela via rápida, as "Seward Town Houses" constituem um excepcional exemplo de uma solução enterrada, cuja integração arquitectónico-urbanística potencia uma operação imobiliária muito rentável
Figura 31: As "Seward Town Houses: corte e gráfico de temperaturas
As virtualidades em soluções de encosta, podem ser ilustradas por um segundo exemplo: o conjunto inicial de setenta quartos do Hotel do Mar, construído em Sesimbra nos anos cinquenta (Figura 32).
Figura 32: Aspecto exterior da 1ª fase do Hotel do Mar
Este conjunto não teria sido projectado por Conceição Silva a pensar no "earth cooling", mas é expressivo exemplo duma tipologia caracteristica do "earth coolling" por contacto directo, embora não o seja das condições climáticas a ele mais adequadas, por se situar no litoral, onde a imediata proximidade do mar se faz sentir no maior teor de humidade e em moderadas amplitudes térmicas.
A humidade é desfavorável ás construções enterradas em que a ventilação transversal é dificultada. As pequenas amplitudes térmicas não permitem tirar todo o partido desse enorme sumidouro de calor que é a terra, para amortecer uma onda de calor estacional ou mesmo anual, em benefício de conforto térmico.
No entanto, este conjunto mostra admiravelmente, não só as possibilidades de integração paisagistica das construções enterradas, mas também o desafogo que podem proporcionar em económicas soluções semi-enterradas de encosta.
O escalonamento dos quatro pisos do corpo dos quartos, agarrados ao forte declive do terreno, permite que cada quarto se abra ao sol poente e ao mar, através de um solário espaçoso e recatado, contribuindo para que o quarto seja "a vaidade principal do hotel", no dizer de Conceição Silva que lhe dedicou um especial cuidado, num estudo em modelo reduzido muito detalhado.
A solução em degraus ainda permitiu "um tipo de construção aligeirada -num só piso- e, consequentemente a aplicação de processos construtivos simples e de materiais correntes na região", tendo em conta a "reduzida verba de que se dispunha".
Minimizar a Convecção: Protecção contra o Vento -Índice-
Nos períodos CONFORTÁVEL e QUENTE, as condições climáticas convidam a um maior contacto com o exterior, pelo que assumem relevância os espaços exteriores e, nestes o espaço urbano, enquanto quadro e prolongamento dos edifícios mas também como espaços de permanência que eles configuram e influenciam.
O vento pode contribuir para o inconforto e para a incomodidade desses espaços, como mostra a Escala de Beaufort.
Quer a velocidade do vento quer a sua turbulência são influenciados pelas formas edificadas, as quais podem favorecer a aceleração do vento e vórtices, agravando o efeito do vento no inconforto e na incomodidade dos espaços exteriores.
Não têm vindo a ser devidamente considerados, na prática urbanística corrente, quer a função de quebra-vento que pode assumir a vegetação, quer os efeitos aerodinâmicos inconvenientes das formas edificadas.
O quebra-vento deve posicionar-se a barlavento do espaço a proteger do vento dominante
e de modo a não prejudicar um desejável acesso ao sol, o que é facilitado nas regiões em que
prevalece a nortada na época quente. O quebra-vento deve ser constituido por árvores
ou arbustos de folha perene. Se o Sol ou as vistas são importantes, pode-se combinar árvores
caducifólias e arbustos de folha perene, mas este dispositivo é menos eficiente.
As condições de abrigo de um quebra-vento variam com a sua permeabilidade ao ar e esta com a percentagem de vazios aparentes: 20% de permeabilidade para uma percentagem nula de vazios aparentes,
50% a permeabilidade para 33% de vazios aparentes.
Quebra-ventos com permeabilidades entre 20 e 50% protegem sem turbulência até a uma distância entre dez
e vinte vezes a sua altura respectivamente, pelo que, para uma dada permeabilidade, a dimensão dos espaços a abrigar é ainda condicionada pela máxima altura das espécies
arbustívas ou arbóreas disponíveis. Planeando-se o abrigo dos espaços exteriores, ou dos edifícios, em função
da altura que terão as árvores a plantar quando adultas, haverá que prever uma sebe temporária de arbustivas
de crescimento rápido, para providenciar alguma protecção enquanto as árvores crescem.
O quebra-vento deve ser relativamente denso, com uma permeabilidade entre 20 a 50%.
Nos quebra-ventos mais sólidos, com permeabilidade inferior a 20%, agrava-se excessivamente a turbulência do ar no espaço que se pretende abrigar.
A mistura de diversas espécies de árvores e arbustos evita a perda de todo o quebra-vento,
no caso de uma espécie ser dizimada por doença.
Quer a velocidade do vento quer a sua turbulência são influenciados pelas formas edificadas, por natureza mais densas do que as sebes vivas.
A distância de abrigo, proporcionado por um muro ou talude não excede duas vezes a sua altura. Os edifícios podem favorecer a aceleração do vento e vórtices, agravando o efeito do vento no inconforto e na incomodidade dos espaços exteriores.
No propósito de evitar efeitos aerodinâmicos incomodos e inconfortáveis, J. Gandemer (1979), em Les effets aerodynamiques dans les ensembles (Techniques et Architecture, 325 59-76), sistematizou estes efeitos, distiguindo entre outros, os seguintes:
-Efeito de furo, jacto de ar em rés-do-chão vazado ou passagem por debaixo de edifícios altos;
-efeito de canto, gradiente horizontal do vento na viragem de esquinas de edificios isolados compactos;
-efeito de esteira e efeito de vórtice a juzante e montante de grandes blocos de frente para o vento. Este último pode ser acentuado pela interposição de um bloco mais baixo;
-efeito de banda , turbilhão a juzante de extensos blocos sob vento a 45º;
-efeito de canalização entre bandas paralelas canalizando o vento;
-efeito de Venturi, aceleração da velocidade do vento, entre bandas convergentes-divergentes.
Na figura Figura 33, estão representados em esquema, alguns dos efeitos que foram sumariamente caracterizados.
Figura 33: Turbulência do vento em espaços urbanos
Tendo em conta a importância destes efeitos e as dificuldades que oferece a sua modelização fisico-matemática, pode-se justificar o ensaio de modelos reduzidos em túnel aerodinâmico, designadamente nos projectos de intervenção urbana que incluem edifícios altos.
Para uma melhor compreensão da interacção entre os edifícios, as condições de vento e o conforto no espaço urbano recomenda-se, entre outros, o texto de W. R. Schriever, publicado em 1999 na NET, pelo Conseil National de Recherche canadiano.
Promover a Convecção: Ventilação -Índice-
A movimentação de ar, acelerando as trocas convectivas e evaporativas do corpo humano com o seu ambiente, permite estender a zona de conforto definida para o ar calmo.
Os limites dessa extensão são dados pelo teor de humidade que não deve ser excessivamente baixo (inferior a 20.0%) e, pela máxima velocidade do ar tolerável no interior dos edifícios (cerca de 2.0 m/s, para tensões do vapor de 17 mmHg).
A esta velocidade do ar corresponde uma temperatura do ar de cerca de 32.0 ºC, em que se queda a eficácia desta estratégia de ventilação, com acção directa sobre o conforto térmico do homem e que, por isso, se designa por ventilação de conforto.
A ventilação pode também servir para arrefecer a estrutura do edifício, as suas massas térmicas, pelo que então se designa por ventilação estrutural.
A ventilação de conforto e a estrutural podem aproveitar condições naturais de temperatura do ar, de vento e de radiação, propícias ao arrefecimento e à movimentação do ar.
Vento fraco e, com tempo calmo e soalheiro, ventos locais, brisas de mar e de terra que sopram nas costas rochosas ou arenosas e brisas de vale e de montanha que sopram em regiões acidentadas, podem ser aproveitados dispondo o edificio na encosta e configurando-o, de modo a que se abra ao vento e seja atravessado por ele, proporcionando uma ventilação transversal.
As aberturas devem, pois, situar-se em paredes opostas e em edifícios. preferencialmente de uma só espessura ou pouco compartimentados.
Nestas condições, o debito de ar pode ser estimado utilizando a seguinte equação, publicada no ASHRAE Handbook of Fundamentals, em que D é o débito de ar em m3/s, S é a área da abertura de entrada em m2, v é a velocidade do vento
em m/s e E é a eficiencia das aberturas, entre 0.5 e 0.6 se o vento incide perpendicularmente à abertura de entrada.
Se o vento incide a 45º, o valor da velocidade do vento deverá ser reduzido a metade.
A formula assume que a área da abertura de saída (a juzante) é igual à de entrada. Caso sejam diferentes, introduz-se um factor C, relacionado com a razão entre elas, conforme consta do gráfico da Figura 36.
A aerodinâmica habitacional ensina que, não só a disposição dos espaços, mas mesmo pequenos pormenores de arquitectura, influenciam a movimentação do ar, podendo ser judiciosamente aplicados para promover uma desejavel ventilação. A Figura 34 contem alguns casos exemplares.
Figura 34: Influência de pormenores de arquitectura na movimentação do ar
A Figura 34-A mostra que a posição da abertura de entrada comanda o fluxo de ar. A Figura 34-B mostra como um simples parapeito (como a platibanda algarvia) ou o nivel do piso, influenciam a corrente de ar. A Figura 34-C mostra que o efeito de uma pala pode ser neutralizado separando-a da parede por um pequeno rasgo. A Figura 34-D mostra o efeito de janelas pivotantes ou basculantes e de estores de lâminas.
Deflectores colocados nas aberturas de entrada e de saída do ar ("wing walls"; panos verticais, por exemplo, simples portadas exteriores abertas a 90º) podem facilitar a circulação do ar, mesmo em compartimentos em que não é possivel ter a abertura de saída em oposição à de entrada. Este caso está esquematizado na Figura 35.
Figura 35: "Wing walls"
Ventos moderados podem ser aproveitados para a aspiração do ar interior, através de ventiladores estáticos, colocados no topo de chaminés de ventilação.
Se não há vento, pode-se provocar ventilação recorrendo à tiragem térmica, na qual segundo Dreyfus (1960), o débito de ar D varia com a área S das aberturas de entrada, com a razão entre as áreas das aberturas de saída e de entrada (factor C, conforme gráfico da Figura 34), com o desnível h entre elas (marcado no corte esquemático da Figura 36) e com a diferença de temperatura entre o interior e o exterior (t - t´):
Figura 36: Gráfico para a determinação do factor C e Corte esquemático
As forças em presença nesta tiragem térmica são muito fracas: a pressão equivalente de um vento calmo, com a velocidade de 1.0m/s, é igual à diferença de pressão correspondente a um desnível h de 3.0m, para uma diferença de temperatura t - t´ de cerca de 5.0ºC.
Baixando durante a noite a velocidade do vento e a temperatura exterior t´ (aumentando portanto o t - t´), reunem-se então as condições naturais em que é mais oportuna a tiragem térmica, para forçar uma ventilação nocturna.
Sem vento e com tempo quente, radiação solar disponível pode ser utilizada para acelerar a ventilação, aumentando a temperatura t (e, portanto t - t ´) e o desnível h, numa chaminé solar, a qual está esquematizada na Figura 37.
Note-se, a propósito que o débito de uma chaminé solar é muito inferior ao que se obtem na chaminé de uma lareira, devido sobretudo à elevada temperatura t dos gases de combustão.
Figura 37: Chaminé solar
Ainda na ausência de vento, com temperaturas exteriores rondando os 28.0ºC e humidades relativas inferiores a 75.0%, pode-se recorrer à ventilação forçada com ventoínhas de tecto que consomem tanto como uma lampada de 100w. Ter em conta que o seu alcance é limitado (Figura 38) e que, a utilização das ventoínhas de tecto condiciona a altura dos edifícios, pois requer um pé direito mínimo de 2.75m
Figura 38: Alcance efectivo das ventoínhas de tecto
O controlo da movimentação do ar não é fácil. Carece de conhecimento e de experiência para que a ventilação seja bem sucedida, bem como pode ter implicações nas condições ou na sensação de segurança dos utentes e requer meios adicionais de protecção que reduzem substancialmente a eficiência das aberturas. As redes mosquiteiras podem reduzir a área útil dos vãos em 50.0% e, colocadas nas aberturas de admissão, podem abater entre 35.0% e 70.0% a velocidade do vento que as atravessa.
A ventilação pode-se combinar vantajosamente com outras estratégias bioclimáticas e com a disposição dos equipamentos, tal como a seguir se descrimina:
-A inércia térmica, arrefecendo durante a noite , as massas térmicas aquecidas durante o dia mais quente. proporcionando não só ventilação de conforto mas também estrutural em período muito quente.
- O arrefecimento evaporativo do ar movimentado na ventilação, permitindo a ventilação mesmo durante o dia, em período muito quente.
- A captação solar, como acima se referiu, na tiragem térmica com chaminé solar ou noutras artificiosas soluções como a que é ilustrada na Figura 39. Esta solução de pátios conjugados, combina a ventilação por efeito da captação solar, com o referido arrefecimento evaporativo: um pátio em depressão pelo efeito da radiação solar, puxa o ar que atravessa um sombreado pátio "frio" e sofre depois um segundo arrefecimento, ao passar por ânforas ressumando água.
No pátio aberto, a captação solar alterna com o arrefecimento radiativo durante a noite.
Figura 39: Ventilação induzida por dois pátios conjugados (Cain et al., 1976)
- A protecção solar dos vãos com reixas ou rótulas que, pelo seu rendilhado de fino efeito decorativo, tamisam a luz, deixam passar a brisa refrescante e permitem olhar para fora preservando a intimidade.
- A disposição dos equipamentos, armaduras de iluminação, computadores e outras máquinas ou aparelhos em que há dissipassão de calor, não só seleccionando os mais eficientes, mas também posicionando-os, preferencialmente, junto ás saídas de ar, facilitando a sua ventilação directa para o exterior ou agrupando os mais dssipativos em compartimentos com ventilação própria.
Também a grande concentração de pessoas pode originar cargas térmicas e poluição do ar requerendo, na epoca quente, sistemas de ventilação forçada e mesmo ar condicionado. A colocação destes espaços em que há concentração de pessoas, junto a pátios ou outros espaços intermédios em que se conjuga a ventilação com outras estratégias complementares, pode facilitar a manutenção de condições de conforto térmico, a par de proporcionar a fruição de um agradável contacto com o exterior, de acordo com o clima local.
Minimizar os Ganhos Solares: Protecção Solar -Índice-
Nos periodos CONFORTÁVEL e QUENTE, quando a temperatura exterior atinge ou ultrapassa a zona de conforto, torna-se imperativa a protecção solar de espaços de permanência, designadamente contra a radiação solar directa.
Mesmo em condições climáticas aprazíveis que convidam a um maior contacto com o exterior, a uma vida ao ar livre, a protecção solar está tradicionalmente presente em espaços semi-exteriores ou intermédios, definidos pela sombra tremula ou firme de cobertos, latadas, pérgolas ou de uma simples árvore (Figura 40).
Figura 40: Casa na rua Charles Hamilton em Santigo do Chile (Arq. Enrique Browne)
Sendo a protecção solar dos envidraçados o contrário da promoção de ganhos solares, a eq. (4) conjuga as variáveis que podemos utilizar neste caso, não para maximizar ganhos solares úteis, mas sim para minimizar ganhos solares inúteis ou inoportunos.
A radiação solar que incide sobre a envolvente opaca é usualmente associada ás trocas por condução, com o artifício de substituir a temperatura do ar exterior por uma temperatura equivalente, para poder utilizar o conceito de coeficiente superfícial exterior.
De facto, este coeficiente entra, simplificadamente, com uma temperatura radiante média do meio ambiente, convencionalmente igual à temperatura do ar.
O artifício consiste em substituir a temperatura "real" do ar, por uma temperatura ficticia (igual à temperatura radiante média) , a qual teria um efeito equivalente ao que se verifica nas condições reais, em que a temperatura radiante média difere da temperatura do ar, devido designadamente, á radiação solar incidente nas superfícies e as suas perdas radiativas para a cupula celeste.
Este artifício traduz-se na seguinte igualdade, em que he é o coeficiente superficial (w/m2K) , teq é a temperatura equivalente (ºC), ta é a temperatura do ar (ºC), é o coeficiente de absorção da superfície para a radiação solar, I é a radiação solar (directa e difusa) nela incidente (w/m2) , hr é a componente radiativa do coeficiente superficial (w/m2K) e tr é a temperatura radiante média do meio ambiente (ºC).
O primeiro termo do membro direito da equação corresponde ao ganhos solares. O segundo termo que se refere ás trocas nos grandes comprimentos de onda, anula-se no caso das paredes verticais considerando-se que a temperatura radiante média tr é igual à temperatura do ar. Tal não é o caso das superfícies horizontais (coberturas), viradas para o céu, cuja temperatura radiante é mais baixa o que, aliás, pode ser aproveitado para fazer arrefecimento radiativo.
Havendo sol, o primeiro termo pode assumir grande importância, merecendo particular atenção, quer a orientação das superfícies opacas, na medida em que influencia a radiação solar nelas incidente (I), quer a sua cor, relacionada com o coeficiente de absorção ().
A utilização das variáveis em jogo na protecção solar, envolve disposições paisagísticas, urbanísticas e arquitectónicas.
As disposições paisagísticas compreendem a localização ao abrigo do sol pela topografia local (por exemplo, um vale encaixado a norte) e a arborização para sombreamento dos espaços exteriores e dos edifícios.
O sombreamento dos espaços exteriores pode, não só beneficia-los como áreas de permanência, mas também pode beneficiar de modo indirecto os edificios, designadamente pela redução da radiação solar reflectida pelas superfícies circunvizinhas (albedo).
A Figura 41 exemplifica a utilização de caducifólias para o sombreamento de envidraçados a sul e dos espaços exteriores adjacentes, salvaguardando um desejável acesso ao sol no Inverno.
Figura 41: Sombreamento com caducifólias
Partindo das condições locais de radiação e de vento, pode distribuir-se árvores e arbustos de folha caduca ou persistente, de acordo com a necessidade de protecção solar, conjugando-a com as necessidades de acesso ao sol, de protecção do vento e de ventilação natural.
Conjugam-se assim estratégias radiativas e convectivas em função do clima local, tal como se mostra na Figura 42 que merecerá ser reapreciada, á luz das condições de radiação que adiante serão tipificadas.
Figura 42: Exemplo de ajardinamento de acordo com o clima
As disposições urbanísticas e arquitectónicas compreendem, para situações limite em que ocorre forte radiação solar directa com tempo muito quente, não só uma ordem urbanística cerrada de construções agrupadas protegendo-se do sol entre si e protegendo os espaços exteriores intersticiais, mas também um baixo factor forma em edifícios destacados.
Dado o caracter direccional da radiação solar directa, a sua ocorrência torna sempre relevante a exposição solar da envolvente edificada.
Atente-se no gráfico da Figura 43 que representa a radiação global (kWh/m2/dia) incidente em superfícies com as orientações cardiais, nos meses de Janeiro e Julho(sublinhado), segundo os valores médios observados em Lisboa na década de 1968-1977 (Mata e Marques, 1981).
Figura 43: Orientação e radiação solar
Tal como se refere, a propósito do isolamento da cobertura, verifica-se neste gráfico que o plano horizontal recebe em Julho mais radiação solar do que os planos verticais das paredes.
Entre estas, as exposições a nascente e a poente são as mais penalizadas, pois não só recebem mais radiação mas também são mais difíceis de sombrear, dado que o Sol anda relativamente baixo quando nelas incide.
A exposição a poente, tem ainda a agravante de receber a radiação directa do sol no periodo mais quente do dia.
Entre as exposições a norte e a sul, a primeira é a que recebe menos radiação solar directa nos meses em que ocorre o tempo quente, mas a exposição a sul tem a vantagem de ser, potencialmente, a mais ensoalhada nos meses frios em que os ganhos solares são desejaveis .
Acrescenta-se ainda a seu favor que, nos meses quentes, é fácil de sombrear com palas simples, dada a relativa verticalidade dos raios solares.
Portanto, tendo em vista a protecção solar do invólucro, é desejável a redução da área de envidraçados horizontais (zenitais) e verticais a nascente e, sobretudo a poente.
Em climas muito quentes e ensoalhados deve-se encarar esta redução, mesmo quanto aos opacos.
A materialização da envolvente edificada e os dispositivos complementares devem estar de acordo com a área e a exposição das superfícies que a constituem. Grandes superfícies com as exposições mais desfavoráveis, carecem da maior protecção solar.
A protecção solar pode ser alcançada com baixos coeficientes de absorção em relação à radiação solar.
Assim, acabamentos exteriores com cores claras na cobertura e nas paredes diminuem a sua temperatura ar-sol ou efectiva.
As lages de tecto podem ser revestidas por isolamento térmico com folha de alumínio na face superior e protegidas por coberturas parasol sobre desvão ventilado. Também as paredes podem ser protegidas por panos exteriores parasol separados por caixa de ar ventilada por tiragem térmica, como no dispositivo Gosset (Cardiergues, 1959). Nestes casos, existe maior liberdade na escolha das cores das fachadas e da cobertura, pois estas não estão em contacto directo com o espaço interior.
As paredes e, sobretudo os vãos envidraçados podem ser sombreados por quebra-sois, palas, toldos, grelhas, latadas ou pergolas, estores, persianas, jelosias, venezianas ou portadas. Podem mesmo ser sombreados pelo conveniente escalonamento dos volumes edificados (auto-sombreamento), seja balançando-os em elevação, seja recortando-os em planta .
Na imagem seguinte (Figura 44), as paredes são protegidas por um espaço intermédio sombreado e habitável,criado por uma segunda "pele", feita de grelhas e palas.
Figura 44: Casa em San Damian Passage, Santiago do Chile (Arq. Enrique Browne)
Muitos destes dispositivos podem integrar elementos moveis ou caducifolias, permitindo uma geometria variavel, de acordo com as necessidades de sombreamento, tendo em conta que o solstício de Verão não coincide com o meio da época QUENTE e que o sombreamento se deve compatibilizar com as condições de conforto visual - contacto com o exterior e iluminação.
As disposições necessárias para o sombreamento de espaços exteriores e de envidraçados , nos períodos CONFORTÁVEL E QUENTE, podem ser determinadas utilizando os instrumentos de desenho apropriados.
A comparação das cartas solares para baixas e médias latitudes e, a exploração de máscaras e de perfis de sombreamento, permitem genericamente concluir que, as protecções móveis com caducifólias, toldos, estores ou portadas, são as mais adequadas aos climas mistos das latitudes médias (Lisboa, 38.7ºN), nas moradias e noutros edifícios mais comandados pela envolvente do que pelas cargas térmicas interiores ( Figura 21).
Dado que nesta região não coincídem as simetrias da geometria solar e das estações do ano, as protecções fixas obrigam a um compromisso muito problemático, entre o sombreamento total no Verão e o acesso ao Sol, total no Inverno e parcial nas estações de transição.
Caso diferente é o dos escritórios e de outros edifícios mais comandados pelos ganhos internos, nos quais esse compromisso é possível, na medida em que a promoção de ganhos solares pode ser dispensável, ou até inconveniente, mesmo no Inverno.
Mas onde a protecção solar fixa está "no seu sítio" é nas regiões intertropicais em que o tempo quente e, portanto, a protecção solar, imperam durante todo o ano. Impõem-se então as estruturas leves de sombreamento e os espaços intermédios sombreados e naturalmente ventilados no clima tropical húmido, como exemplifica a imagem anterior (Figura 44), em contraste com as soluções mais maciças e interiorizadas, mais apropriadas ao clima árido (Figura 26).
Em grandes edifícios de serviços, justifica-se o quebra-sol fixo, cavando profundas sombras em fachadas envidraçadas abertas à iluminação natural. Este efeito de sombreamento é bem patente na Figura 45 que mostra um aspecto da fachada norte do Edifício do Ministério da Educação do Brasil, terminado em 1943.
Este foi o primeiro edifício que explorou expressivamente a combinação de diferentes tratamentos de fachada de acordo com orientação solar, tendo em atenção a protecção solar. As fachadas a este e a oeste são cegas. A fachada a sul, menos batida pelo sol (estamos no Hemisfério Sul!) é uma grande superfície de vidro nú. A fachada a norte que no Rio de Janeiro é fortemente castigada pelo Sol, apresenta a textura muito ritmada de uma malha de favos que enquadra palas horizontais orientáveis. O sobrecusto inicial e os encargos com a manobra e a manutenção associados ao movimento de grandes palas horizontais, porventura pouco justificável em edifícios de serviços nesta região, não põe em causa a expressiva solução arquitectónica encontrada pela equipa que contava com O. Niemeyer, A. Reidy, Lúcio Costa e, ainda com Le Corbusier como consultor.
Figura 45: Fachada Norte do Edifício do Ministério
da Educação do Brasil (Arq. O. Niemeyer e outros)
Em casos especiais pode-se ponderar o recurso a vidros especiais com películas reflectoras, absorventes ou polarizados, os quais se desaconselham quando estejam em causa o seu custo, ou a iluminação natural e os ganhos solares na estação fria, tendo ainda em conta que, em geral, não têm significativas vantagens quanto ao factor solar, em relação ás soluções de sombreamento apontadas.
A protecção solar dos envidraçados traduz-se num factor solar térmico; um quociente entre a radiação térmica que entra pelo envidraçado (nu ou com eventuais protecções) e a que nele incide, conforme se mostra na Figura 46, em que Ig é a radiação incidente, T a radiação transmitida, A a radiação absorvida, Ae a radiação absorvida e emitida para o exterior e Ai a emitida para o interior.
Figura 46: Definição do Factor Solar de envidraçados correntes
Na Figura 47 compara-se o factor solar de alguns envidraçados correntes. Consultar a regulamentação atinente em vigor (ver Bibliografia) sobre o valor do factor solar dos vãos envidraçados correntemente utilizados.
Figura 47: Factor solar de envidraçados correntes
Nas suas relações com a iluminação, o sombreamento que é uma estratégia de restrição de ganhos solares, encontra os seus limites, nomeadamente no que concerne à radiação indirecta, nas necessidades de iluminação natural, a qual remete para uma promoção de ganhos solares. Isto, na justa medida em que a carga térmica que acompanha a iluminação natural, é inferior à que se associa à iluminação artificial.
Promover o Arrefecimento Radiativo -Índice-
A estratégia de arrefecimento radiativo aproveita as trocas radiativas nocturnas entre o corpo humano ou os edifícios por um lado e o céu por outro.
O céu seria um imenso sumidouro de calor se não houvesse de permeio a atmosfera que interfere naquelas trocas, designadamente pelo efeito conjugado do CO2, do vapor de água e das núvens.
Numa formulação simplificada (J. Yellott e ASHRAE, 1977), as trocas radiativas de uma superfície horizontal com o céu Qr, variam com a emissividade da superfície s, com a sua área Sh (m2) e com a diferença entre as temperaturas absolutas (grau Kelvin) da superfície (Th) e do céu. Na temperatura do céu, entra-se com uma temperatura efectiva(Tcéu ).
Esta temperatura efectiva do céu é uma temperatura fictícia que lhe dá um valor de radiação igual ao que é recebido da atmosfera tendo em conta a sua pressão do vapor e considerando o CO2 como constante.
Simplificadamente na eq. (11), a temperatura efectiva do céu é função da temperatura seca do ar Tat e da emissividade at da atmosfera que se situa entre 0.80 e 0.88 para temperaturas positivas até 21.0ºC, do ponto de orvalho ao nível do solo.
Para se entrar com o efeito das núvens, aplica-se um factor de correcção Cn em função da nebulosidade n em décimas, cuja formulação varia com tipo de núvens. A eq. (12) refere-se ao caso geral, em que não se conhece o tipo de núvens.
Assim, as condições adequadas para o arrefecimento radiativo compreendem a ocorrência de céu limpo e de um baixo teor de humidade atmosférica, durante noites calmas, sem vento, pois que este, aumentando as trocas convectivas com o ar próximo tende a neutralizar o efeito radiativo que é um recurso frágil, o que se pode comprovar pela aplicação da eq. (10).
O aproveitamento destas condições pode refrescar directamente o homem, no que se designa por arrefecimento radiativo de conforto ou directo, ou indirectamente no arrefecimento de edifícios, no que se designa por arrefecimento radiativo estrutural ou indirecto.
Em qualquer dos casos deve dispor-se de uma superfície horizontal , a qual deve ser protegida das brisas que podem ocorrer mesmo nos locais em que prevalecem noites calmas. Assume-se que uma superfície vertical que só vê metade do céu, recebe da terra tanta ou mais energia do que a que perde para o céu.
O arrefecimento radiativo de conforto pode ser conseguido em simples terraços, protegidos do vento por muros de acrotério, guardas fechadas ou parapeitos. Estes, em noites quentes e calmas de céu limpo, constituem magníficas salas de estar tendo por tecto a imensa cúpula celeste que proporciona, não só uma agradável sensação de frescura, mas também o surpreendente disfruto do firmamento, como se pode experimentar nas açoteias do levante algarvio (Figura 48).
Figura 48: Açoteias em Olhão
A casa de pátio mediterrânea constitui um dispositivo arquitectónico com um comportamento térmico próprio em que, num ciclo diário, alternam o arrefecimento radiativo e o aquecimento solar, combinados com a ventilação.
Durante a noite, numa noite calma de céu limpo, o pátio arrefece por radiação, constituindo uma bolsa de ar arrefecido. Nas formas do tipo compluvium romano, acumula-se ainda o ar arrefecido e vertido pelas coberturas que caiem sobre o pátio.
Este ar arrefecido pode alimentar uma ventilação nocturna dos espaços edificados envolventes, proporcionando ventilação de conforto e estrutural, esta mais oportuna em edifícios com inércia térmica forte (ver Ventilação e Inércia Térmica).
Durante o dia, o pátio é aquecido pelo sol, gerando-se uma depressão convectiva que, em climas muito calmos, pode ajudar a ventilação transversal do edifício, por tiragem térmica.
Este comportamento cíclico é mais marcado em pátios construidos, despidos de vegetação, abertos para o céu que se designam por pátios radiativos ( Figura 39), mas menos acentuado em pátios arborizados, protegidos do sol que beneficiam, em contrapartida, de um arrefecimento evaporativo, acentuado pela integração de pequenos lagos, fontes e repuxos ( Figura 53).
Outros sistemas indirectos podem usar uma massa térmica disposta na horizontal, lage de betão ou colchão de água por exemplo, com a sua face interna termicamente acoplada ao espaço interior que cobre.
Protegida do sol durante o dia, esta massa térmica acumula o calor recebido do interior, o qual dissipa para o céu, por radiação da face exterior descoberta durante a noite.
A massa térmica deve ser protegida do vento quente por muretes laterais ou por um revestimento transparente aos raios IR, por exemplo um polietileno de alta densidade apropriado. Estes revestimentos têm, no entanto, o inconveniente de se degradarem com a exposição aos raios UV.
Este sistema pode combinar o arrefecimento radiativo durante a época QUENTE, com o aquecimento solar na época fria, sendo neste caso aberto ao sol de dia e fechado ao céu à noite.
È o caso do sistema patenteado SkyTherm de Harold Hay (Hay H. e Yellot J. 1970. A Naturaly Airconditioned Building. Mechanical Engineering. Vol 32, pg 19-23), esquematizado na Figura 49, tal como foi aplicado em Atascadero, California. Os 115.0m2 da Skytherm House são cobertos por 4 colchões de água de 11.6X2.4X0.25m assentes sobre um tecto metálico. O interior mantem-se confortável ao longo do ano por este sistema, num clima que oscila entre 0.0ºC e 34.0ºC (média das mínimas em Janeiro e das máximas em Julho).
Figura 49: Sistema SkyTherm
Podem ainda ser aproveitadas as condições naturais para o arrefecimento radiativo, através do sistema separado em que se faz a circulação forçada de um fluído.
O fluído circula entre um radiador exposto ao céu durante a noite (cuja temperatura não desce mais do que 6.0K abaixo da temperatura do ar) e uma massa térmica que pode ser a estrutura do edifício e que, durante o dia funciona como sumidouro para o calor que entra ou é gerado no interior do edifício.
Estes sistemas dedicados são dispendiosos e exigem especiais cuidados de utilização e de manutenção, o que limita a sua aplicação a condições climáticas especiais que devem ser cuidadosamente ponderadas tendo em vista o sucesso da aplicação e a recuperação do investimento com as economias de energia que ele pode permitir.
Promover o Arrefecimento Evaporativo -Índice-
Esta estratégia aproveita o arrefecimento que a evaporação pode provocar no ar ou numa superfície em contacto com a água, na medida em que lhes é retirado o calor necessário para passagem do estado líquido ao estado de vapor. Quanto ao ar, do mesmo passo que baixa o seu calor sensível (que se pode medir com um termómetro), a água evaporada faz aumentar a pressão do vapor a que corresponde um aumento do seu calor latente.
Trata-se de um processo adiabático, no qual que se mantem constante a entalpia (calor sensível mais calor latente) do ar húmido. O processo desliza aproximadamente ao longo de uma linha de temperatura húmida do Diagrama Psicrométrico, desde o ponto de estado a que o ar húmido inicialmente se encontra até ao ponto de orvalho.
Este processo evaporativo pode ser utilizado para arrefecer a estrutura do edifício no que se designa por arrefecimento estrutural e, também, para arrefecer o ar ambiente no arrefecimento de conforto, neste último caso quer directamente quer indirectamente.
O arrefecimento evaporativo estrutural compreende o arrefecimento de paredes por aspersão, bem como o arrefecimento de coberturas por aspersão, rega e lâmina de água sobre terraço.
Um índice do potencial de arrefecimento evaporativo é a diferença entre a temperatura seca do ar e a temperatura húmida. No caso do ar em contacto com superfícies expostas ao sol, é adequado substituir a temperatura seca pela temperatura ar-sol ou equivalente que entra com o efeito da radiação solar e que pode ser dezenas de graus superior à anterior.
A conjugação da evaporação com a radiação solar revela-se assim interessante, nos climas secos e ensoalhados, recomendando-se o arrefecimento evaporativo de coberturas e paredes a poente, desde que haja água disponível para alimentar o processo.
Análises de sensibilidade, realizadas por ocasião da EXPO92 de Sevilha, demonstraram que, por meio da aspersão controlada,com reduzidos gastos de água, se consegue manter uma cobertura entre 4 e 7ºC abaixo da temperatura do ar exterior, nas horas mais quentes de um dia de Verão mediterraneo.
Também o vento pode ajudar as trocas evaporativas, acelerando a convecção, ou seja a substituição do ar saturado em contacto com a superfície arrefecida, o que se comprova pela sensação de fresco que provoca o vento sobre a pele húmida.
É no entanto inadequado o arrefecimento estrutural de paredes com caixa de ar ventilada e de coberturas sobre desvão ventilado e isolamento térmico.
O arrefecimento evaporativo directo de conforto, retira calor sensível ao ar ambiente. O ar arrefece ao mesmo tempo que se humidifica (o calor sensível passa a latente), pelo que um dos limites de eficácia desta estratégia é, aproximadamente, a máxima temperatura de bolbo húmido que permite atingir condições higrotérmicas confortáveis; cerca de 22.0ºC.
Por outro lado, reduções próximas dos 14.0K são compatíveis com velocidades do ar confortáveis, pelo que a temperatura seca limite para o arrefecimento evaporativo directo do ar, conjugado com a ventilação, ronda os 40.0ºC.
A combinação de uma forte cultura Islâmica e de uma marcada aridez, produziu belos exemplos de arquitectura, em que sabiamente se combinam o arrefecimento evaporativo, a ventilação transversal, a protecção solar e a inércia térmica.
O Al Andaluz Alhambra, deixado pelos Nasridas em Granada é o paradigmático exemplo que se mostra na Figura 50, tendo com pano de fundo a Sierra Nevada. Mas a Sierra Nevada é mais do que um cenográfico pano de fundo, pois é a ela que o palácio vai buscar a água e a brisa que percorrem a sua teoria de pátios e jardins, combinando-se subtilmente com a luz dividida pela folhas das árvores e pela caligrafia das paredes, em ambientes que nos tocam, não pela opulência, mas pelo carácter intimista e pela sua agradável frescura.
Figura 50: Alhambra de Granada
"Só quem conhece os ardentes climas do Sul -faz notar Washigton Irving nos seus Contos do Alhambra publicados em 1832- pode imaginar as delícias de um tal retiro em que a brisa da montanha se alia à verdura do vale. Enquanto que a cidade (Granada) sufoca com a canícula...os sopros ligeiros da Sierra Nevada correm pelas salas do palácio, trazendo consigo o perfume dos jardins envolventes".
A aragem quente e seca, tendo ganho o acento de rosas ou jasmins conforme passa pelo jardim, é arrefecida pelo íntimo contacto com a água esfuziando em pequenas cascatas ou murmurando em tanques pouco profundos de água corrente. O silêncio de um pátio é acentuado pelo refrescante sussurrar de uma fonte solitária. No seio penumbroso de uma recatada sala, tensos rosários de pérolas de finos repuxos brincam com a luz suave que cai de cima e se reparte sobre a tessitura dos arabescos.
O arrefecimento do ar também pode ser eficientemente conseguido, fazendo-o passar por ânforas ("maziara" no Egipto), ou por cortinas de matéria vegetal que se conservam húmidas.
Ânforas ou cortinas são colocadas no vão duma janela ( Figura 39), o qual, quando preenchido pelo rendilhado dos "mushrabiya" (no Egipto e na Arabia Oriental, sobretudo), deixa entrar o ar, mas protege do sol e dos olhares indiscretos.
Também se encontram ânforas integradas em torres de ventilação ("badgeer", no Irão) que canalizam para o interior o ar que é arrefecido ao tocar as paredes das ânforas ressumando água, para depois ser desumidificado ao passar por um tabuleiro com carvão dessecante, como mostra a Figura 51 e a Figura 52.
Figura 51: Pormenor de uma torre de ventilação "badgeer"
Nos sistemas mais completos, estas torres de ventilação que também podem puxar o ar refrescado numa cave ("serdab"), ou o captador de vento, "malkaf" no Egipto ou no Iraque ( Figura 26), são complementados por lanternins sobreelevados ("shuksheika") sobre o "dorqua´a" (centro da sala. designada por "qua´a") que pode ser marcado por um pequeno lago refrescante. Estes lanternins aquecidos pelo sol, forçam a aspiração do ar exterior por tiragem térmica, ajudando assim a ventilação transversal, como se pode ver na Figura 52.
Figura 52: Combinação de "malkaf" e "shuksheika" seg. Hassan Fathy
O arrefecimento evaporativo combinado com outras estratégias bioclimáticas apropriadas para as regiões quentes e secas, propicia pois, uma grande riqueza na organização dos espaços em que se conjuga o interior e o exterior, nos materiais, a que se acrescenta a água e a vegetação e nos pormenores de uma arquitectura susceptivel de proporcionar uma rica experiência multisensorial impregnada de fortes valores culturais.
É assim que, no Jardim Islâmico fechado (Figura 53), em que domina a vegetação e a sombra, ao contrário do que acontece no pátio radiativo, a resolução de uma necessidade prática de protecção contra o calor é convertida num prazer para os sentidos e enquadrada numa metáfora do paraíso.
Figura 53: Pátio da Acequia (Generalife, Alhambra)
Na Roma barroca de seiscentos que recupera o seu importante sistema hidraulico imperial, este mesmo jogo com a água, entre o prazer e a metáfora, atinge uma opulente expressão urbana, reflectindo os jogos de poder de forma espectacular. O mais expressivo exemplo é, talvez, o do alagamento da Piazza Navona.
No ano de 1652, num dia escaldante e poeirento do Agosto mediterrâneo, o papa Inocêncio mandou abrir as valvulas inferiores da Fonte dos Quatro Rios, para alagar a praça.
Era, em primeiro lugar, uma dádiva para as gargantas e corpos sequiosos dos cidadãos, como conta S. Schama (1995), mas desde então e durante dois séculos, a "piazza allagata" repetiu-se e foi-se ritualizando (Figura 54).
Todos os anos, as mais esplêndidas carruagens da nobreza romana, desfilavam chapinhando na água que periodicamente inundava o que fora o Circo Agonale, criado para divertimento das massas populares, pelo último dos Césares, o imperador Diociano.
Quando Inocêncio ordenou a primeira subida das águas na Piazza Navona, não tinha em mente apenas propósitos práticos e lúdicos, pois ele estava afinal a baptizar o Circo pagão que a forma alongada e oval da praça desposou, criando um rio sagrado no centro de Roma, a dois passos do Tibre.
Figura 54: Gravura de Giuseppi Vasi sobre a "Piazza Navona Allagata"
...E, continuando o fértil encadeado das metáforas e alegorias centradas na água, recordamos que a Fonte dos Quatro Rios, no centro da praça, representa a biblíca Fonte do Paraíso, concebida por Bernini na forma de uma misteriosa gruta, uma Rocha da Criação de onde brotam os quatro rios que dividem o mundo e que então, se considerava serem o Danúbio, o Nilo, o Rio da Prata e o Ganges. Não deixa de ser igualmente significativo que esta "fons et origo" primordial seja alimentada pelo Tibre, via Acqua Vergine, graças à imaginação e à hidraulica romanas!
Emergindo da gruta e rematando a tumultuosa composição, levanta-se imutável, o obelisco trazido do Egipto por Domiciano; raio solar, "Sol Invictus", referência a Amun Ra, pai de Osiris, origem da tradição Egipcio-Romano-Cristã, na visão unitarista de então...Mas o obelisco solar que emerge da Rocha da Creação,termina nos céus, desmaterializando-se no mistério do triunfo Cristão, rematado pela pomba com o ramo de oliveira, simbolo do Espírito Santo...e emblema do papa enquanto membro da dinastia Pamphilj!...
Nos dias de hoje, de forma muito mais prosaica e chã, a publicidade imobiliária combina, muitas vezes, a água com outros meios simples, numa imagem que sugere conforto e bem estar de harmonia com o clima. No exemplo da Figura 55, a água é o motivo central de uma cena familiar que usa uma estereotipada linguagem tradicional.
O terraço ensoalhado é refrescado pela água da piscina. A piscina recebe água corrente vinda de um fresco registo de azulejos, sombreado pela arcada. A arcada cava-se no volume maciço da casa que, através dela, se abre sobre o terraço ensoalhado e a piscina. O volumoso chapéu da cobertura acusa a sua função protectora. A sombra fresca das árvores serve de pano de fundo, acentuando a protecção da casa pelo lado Norte...Sombreamento, inércia térmica, superfícies frias, arrefecimento evaporativo, bem estar no Verão...férias, a imagem de um paraíso acessível!
Figura 55: Um paraíso acessível
O progresso técnico veio acrescentar meios artificiais, activos, aos meios tradicionais , mais passivos. Micronizadores produzem um nevoeiro artificial de finas gotícolas que rapidamente se evaporam baixando a temperatura do ar.
Modulos utilizando novos materiais e ventiladores electricos, conjugam o arrefecimento evaporativo com a ventilação.
Estão neste caso o "climatizador saariano " ou "adiabático", o refrigerador das zonas áridas que é uma pequena caixa de cerca de 500mm de aresta, com paredes laterais em fibra vegetal humedecida e contendo um ventilador e o "swamp cooler" utilizado nos EUA nos anos trinta, semelhante ao anterior, mas tendo aparas de faia em vez de tecido.
O "Cold Tower System" (Environmental Research Laboratory, Tucson) é identico aos anteriores mas de maiores dimensões. O filtro humidificador é constituido por um material sintético patenteado, o "Celdek". Tanto mais eficaz quanto mais seco e quente está o ar, permite baixar a temperatura do ar a 40.0ºC até cerca de 20.0ºC.
No intuito de evitar a inconforto que pode provocar a humidificação que acompanha o arrefecimento evaporativo do ar no sistema directo, desenvolveu-se recentemente o sistema indirecto em que o ar em circuito aberto ou fechado, é forçado a contactar a face interna de uma parede condutora mais fria, arrefecida na outra face por evaporação.
A desumidificação do ar, através de um dessecante ou por condensação fazendo-o passar por uma superfície fria (abaixo do seu ponto de orvalho), pode ser utilizada isoladamente em climas muito húmidos, constituindo uma estratégia promoção de perdas de calor latente.
3.Selecção e Integração das Estratégias
3.1. A Carta Bioclimática para os Edifícios -Índice-
Por definição e como transparece no ponto anterior, cada uma das dez estratégias vincula-se a condições climáticas próprias.
Mas como, metodicamente, seleccionar as estratégias prioritárias e integra-las no projecto de arquitectura, desde o primeiro esboceto?
A ideia de o fazer "de forma ordenada e sistemática" a partir de dados climáticos concisos de temperatura e de humidade, partiu de V Olgyay (1963) que, com o seu irmão A. Olgyay aliou a prática profissional de arquitecto à investigação desenvolvida neste campo, ao longo dos anos cinquenta, utilizando para o efeito os laboratórios de arquitectura da Universidade de Princeton.
A Carta Bioclimática de Olgyay, apresentada na Figura 56, assinala num diagrama cartesiano com a humidade relativa nas abcissas e a temperatura do bolbo seco nas ordenadas, uma zona de conforto de Verão e outra de Inverno, para um habitante de climas moderados dos EUA, em locais com altitude inferior a 300.0 m, com vestuário usualmente usado (nos EUA) dentro de casa e uma actividade sedentária ligeira. Os elementos climáticos que envolvem a zona de conforto, têm a forma de de curvas que indicam a natureza das medidas necessárias para restaurar a sensação de conforto em qualquer ponto fora da zona de conforto, como explica Olgyay (1963).
Figura 56: A Carta Bioclimática de Olgyay
A Carta Bioclimática de Olgyay é aplicavel a espaços exteriores, bem como a edifícios abertos ao contacto com o exterior.
Givoni e Milne (1978), baseando-se na Carta Bioclimática de Olgyay, desenvolveram o seu Diagrama Bioclimático para os Edifícios, em formato psicrométrico,para espaços edificados mais interiorizados, considerando a sua aplicação em climas áridos e secos.
Watson (1983), desenvolveu o seu Climatic Design a partir da Carta Bioclimática para os Edifícios (segundo Givoni). Nesta carta, os limites de cada uma das estratégias de controlo climático abrangem as condições termo-higrométricas do clima exterior em que é aplicável, tal como se representa na Figura 57.
Figura 57: Carta Bioclimática para os Edifícios de B. Givoni segundo D. Watson (adaptada)
Conforme já foi notado, deve colocar-se entre parentesis a zona de conforto considerada (zona 7 na figura acima), a qual deverá ser decomposta numa zona de conforto de Verão e outra de Inverno para as condições climáticas e exigências que ocorrem no território português.
Esta Carta Bioclimática pode ser utilizada no projecto de edifícios mais comandados pela envolvente do que pelas cargas térmicas internas. Ela constitui um instrumento de desenho que facilta a tomada de decisões fundamentadas, logo no início do estudo, no sentido de se alcançarem condições de conforto térmico desenhando com o clima sem, no entanto, impor soluções formais rigidas.
Enquanto Método de Concepção, a Carta Bioclimática não requer uma solução de arquitectura predefinida, ao contrário do que acontece com um Método de Avalição.
Dispondo-se de valores horários de temperatura e de humidade ao longo de um ano, preferivelmente de um ano padrão, é possível retratar na Carta Bioclimática o clima da região em que se localiza o estudo. Dispondo destes valores, poderá fazer-se uma distribuição percentual dos estados do tempo assim caracterizados, pelas estratégias bioclimáticas, o que permite eleger as mais adequadas à região.
Na Figura 58, o clima de Lisboa está retratado na Carta Bioclimática, por uma núvem de pontos que correspondem aos valores de temperatura e de humidade observados de três em três horas, na Estação Climatológica de Lisboa - Portela, no ano de 1987
Figura 58: Representação do Clima de Lisboa
na Carta Bioclimática para os Edifícios
No caso de não se dispor de valores horários, poder-se-à utilizar as médias diárias de temperatura e de humidade, ou mesmo médias mensais de máximas e mínimas, o que obviamente constitui uma aproximação mais grosseira do clima da região.
3.2. Métodos de Concepção Simplificados e de Avaliação -Índice-
Pretendendo-se um método que não requeira do projectista o trabalho de aquisição e de introdução dos dados climáticos de temperatura e de humidade que requer a Carta Bioclimática, existe uma outra família de Métodos de Concepção de que são exemplos o "Regional Guidelines for Building Passive Energy Conserving Homes" preparado por Loftness e outros (1980) e apresentado pelo AIA ao governo dos EUA, bem como o Método Mahoney para regiões tropicais (Climate and house design, vol.1, U.N, New York,1971).
Em consequência da crise energética dos anos setenta do século passado foram desenvolvidos "Métodos de Avaliação" para simular o comportamento térmico dos edifícios, como o Energy Plus.
Estes métodos requerem uma materialização arquitectónico-construtiva que não pode existir no início do projecto, pelo que só são aplicáveis em fases ulteriores até ao projecto de execução.
São complementares dos Métodos de Concepção permitindo afinar as soluções lançadas no esboceto. Podemos estender esta metodologia à fase de utilização na sua "monitorização", o que poderá optimizar a utilização e aprender tendo em vista futuros projectos.
Para saber mais, clicar AQUI.
* Este trabalho não se destina a ser comercializado
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